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“A política é um tecido de mentiras e de imposturas ao serviço de interesses sórdidos e de uma ideologia ainda mais sórdida”.
É assim que consideramos a política nesta altura da nossa vida de humanos a viver em sociedade na Terra?
E, naturalmente, detestamos o tema porque péssimo numa tertúlia, como assunto geral e permanente de maus noticiários, de discussões polémicas e de discursos contraditórios de um enorme grupo de pessoas que assaltam os meios de comunicação social e, desse modo, nos assediam em permanência com as suas opiniões em geral sem fundamento.
Porém, a política é também e principalmente outra coisa. É questão de sobrevivência.
Ocorre uma pergunta: Por que razão ou de que modo… um caso de sobrevivência se pode transformar num emaranhado de mentiras, etc… como afirma Hannah Arendt?
Que eu saiba, nenhum ser vivo vive em sociedade não organizada. Por definição. Pois viver em sociedade – societas, em latim - significa viver em associação amistosa com outros. E sociedade é um conjunto de seres que convivem de forma organizada.
No que respeita aos humanos, eles organizaram-se, nós organizámo-nos estabelecendo regras de conduta que nos deveriam permitir viver uns com os outros de modo a não nos destruirmos ao virar de cada esquina, mesmo querendo. Porque há a regra ou a lei resolvida, convencionada, estabelecida a que se deve obedecer e também a penalização para o não acatamento.
Percebemos a necessidade de estar de acordo, de partilhar interesses e preocupações. Na verdade, estamos tão ocupados com as nossas invenções proveitosas e possivelmente geniais que não nos sobra muito para, a todo o momento, engendrar guerras devastadoras. Mas ainda sobra o suficiente, bastante para nos torturarmos e aniquilarmos no que parece ser uma guerra de todos contra todos, sem fim. No tempo de Hobbes como no nosso, em qualquer tempo, essa hostilidade é visível, é palpável.
Compreendemos a necessidade de estar de acordo, mas não só não é o que acontece, o que continua a acontecer (essa partilha que não se faz de boamente), como não vemos possibilidade de vir a suceder de modo conveniente num qualquer futuro.
Muitos de nós se têm esforçado, ao longo de milhares de anos de estudo e de reflexão, de experiência e de crítica, por remediar esse mal, pensando e criando regras e sistemas de organização cada vez mais perfeitos.
Talvez seja da nossa natureza e, se é assim, não há muito que possamos fazer.
O que podemos ainda fazer?
O conjunto de regras que inventámos para vivermos de forma mais conveniente e mais consentânea com os nossos interesses é o que chamamos política. Não é possível viver, mais, sobreviver sem esse bem de valor fundamental.
Sabemos já que, apesar dos esforços, os conflitos persistem, não abrandam e eu só posso pensar…talvez não estejamos a fazer o suficiente, o conveniente, o adequado… ou talvez… simplesmente não sejamos deuses capazes de criar na perfeição.
Depois de tantos anos a raciocinar em política, continuamos a não saber actuar politicamente nem nos compreendemos politicamente, diz Arendt.
Acredito com Hannah Arendt que esta é a causa básica do nosso permanente desentendimento: nascemos e crescemos relativamente iguais relativamente diferentes, mas a nossa política é pensada para absolutamente iguais.
Em todas as sociedade que conhecemos (e estou a pensar nos cidadãos de um país que escolheram governantes para zelarem pelo bem-estar do grupo que se sujeita à sua autoridade política e todos às mesmas leis), há uma pluralidade de indivíduos cujas relações complexas são regulamentadas pela política.
Não podemos dispensar essa regulamentação. E esse é o objecto da política.
As dificuldades não nos vão fazer abandonar o tema, é evidente. Não vamos permitir que o país, o mundo, se transforme numa selva ou em coisa-má-que-não-podemos-imaginar: vamos redefinir estratégias, o que nos cabe para todo o sempre é tentar melhorar.
Enfim, o que é próprio da política é uma tarefa impossível em termos absolutos: será criar um mundo perfeito e transparente como o cristal.
Cabe a cada um uma parte nessa criação.
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