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No azul deslumbrado ele sobe borbulhante
aceso expande-se num bang-bang
de mil sóis e chamas faiscantes
melros novos não pousam por respeito
nos ramos abrasados de luz
nas flores irradiantes
Símbolo de Julho em Moledo clama
no clamor do calor de Verão
por atenção
o grito ecoa de montanha em montanha
escande-se e continuamente recomeça
perturbando a multidão
que rendida ovaciona junto à piscina
sagrando o eucalipto cor de fogo
estátua templo altar
ou herói terrível de intenso esplendor
Faetonte do meio-dia por alguns dias
neste lugar.
(Em Moledo do Minho no Verão de há vários anos)
O meu neto (o que nasceu com este blog) está doente. Será uma gripe daquelas e ele sofre e toda a família com ele. Não posso deixar de pensar que os médicos são umas pestes e não compreendem nada de nada. NADA DE NADA.
E fico a olhar para ele e a não saber como ajudá-lo. Vejo um rosto que desconheço, olhos que não são os dele, antes enormes e verdes e agora pequeninos e estranhos com uma sombra castanha e redonda a toda a volta. Respira mal, tosse de vez em quando, ainda espirra, não liga muito aos brinquedos, fecha os olhos durante um tempo. Perdeu as rosas sobre o branco da sua face.
A mãe tem-no sempre polido, asseado, penteado, aconteça o que acontecer. Na cabeceira da cama, há bonecos amorosos de tecidos suaves, cores a condizer com as do pijama. Os cortinados, as paredes, as roupas de cama, os móveis... tudo cheira bem e, como se diz na gíria, é lindo de morrer.
A casa é graciosa, limpa e organizada pela Mariana segundo padrões rigorosos e um gosto moderno e harmonioso. Não é possível abrir uma gaveta ou a porta de um armário e ver algo fora do sítio. Tudo tem o seu lugar segundo a cor, a forma, o material de que se compõe e o fim a que se destina.
Os quartos de banho têm frescos de flores e de paisagens nas paredes e a cozinha combina a maior funcionalidade com uma beleza indiscutível.
O ambiente não está contaminado por excesso de objectos e há uma relação perfeita entre os modernos e os antigos, os que fazem sorrir e os puramente utilitários, os artísticos e os… quais?
É um deleite estar em sua casa, é apaziguante, sabendo embora quanto esta ordem custa a manter sobretudo quando poucos estão dispostos a contribuir, muito pelo contrário, para haver e poder proporcionar esse prazer e essa serenidade.
É um mundo aparte, novo e cor-de-rosa, permanentemente no primeiro lugar de qualquer quadro de honra rigoroso e justo. Apenas espero que esta ordem se não transforme numa obsessão para a Mariana.
Dou corda aos bonecos que pairam sobre o berço e ouve-se “quand trois poules vont au champ /la première marche devant…” Ele escuta em silêncio, depois dá uma pancada num dos elementos do conjunto e todos rodam – a plêiade de estrelas, o crescente da lua, os ursos abraçados ao patinho feio “for ever friends”. A música pára e ele entusiasma-se por momentos com este mundo que não tem um sol, e também não faz mal – o Sol é uma estrela de “irrelevância cósmica”. Mas existe uma nuvem que eu acharia simpática, branca e risonha, densa de moléculas que o impede de observar as estrelas que estão por trás.
Visivelmente, o meu novel neto discorda de mim: dá uma forte pancada na lua pálida com olhos azuis e boca de riso, a nuvem gira com ela e as estrelas aparecem no seu horizonte.
Com o entusiasmo vem a tosse e um grito de desgosto.
Sinto pena e interrogo-me: Que será deste cosmos amanhã?
Continuo a leitura das Oitavas de Camões.
O Poeta escreve: “… se este estranho desconcerto novamente (ou pela primeira vez?) no mundo se mostrasse, que por livre que fosse e mui esperto, não era de espantar se me espantasse”.
Quinhentos anos depois, anos de liberdade e de esperteza, seria de espantar se qualquer de nós se espantasse ainda com o estado do mundo.
Ele está desconcertado e foi posto assim pelos que o habitam e o vão desarrumando desde há muitos séculos ou desde sempre. Não sei se alguma vez o compuseram ou intentaram alinhá-lo ou se, por sistema, deixaram isso aos heróis e semi-deuses, quiçá aos deuses. Que não tiveram muito êxito.
“Não é para causar mui grande espanto que mal tão mal olhado dure tanto”.
O que parece estar a acontecer, já aconteceu mil vezes antes.
Talvez seja mais divertido assim, por isso não nos empenhamos em compô-lo.
Pensando bem, já tem havido tentativas, mas com o decorrer dos séculos, vão ficando esquecidas.
Será mais interessante deste modo, sobretudo para quem o aprecie de grande distância e de fora.
Acontece que não é só o nosso planeta no seu interior que está desconcertado, mas o sistema. Vejam o Sol no seu movimento anual: em vez de traçar um percurso certinho em volta da Terra, paralelamente ao equador, ele faz uma trajectória elíptica, por isso, o ângulo horário medido entre a elíptica do Sol e o equador não é constante. E a órbita da Terra em torno do Sol é elíptica também, por isso, o movimento do Sol é mais rápido nos meses de Inverno. De tudo resulta que não há nenhum dia igual ao outro, por mais que se procure… e que se mude a hora...e que não gostemos de a mudar. Nem mesmo os dias do ano anterior da mesmíssima época são iguais aos deste ano.
E sobre o Sol, reparem, o seu movimento não é autêntico como seria de esperar tratando-se de um assunto fundamental. Sabemos que é aparente e tudo o que concluímos sobre o seu movimento é a dissimular, é astucioso, camuflado, mascarado. Dizemos: o Sol roda em volta da Terra, mas sabemos que é a Terra que gira em volta do Sol.
E assim por diante: tudo desconcertado.
Como assim? Não podemos fazer nada? Ou vamos concertar isto? Ou consertar? Fingiremos que acreditamos e continuamos a seguir o exemplo das estrelas que, (acontece com o Sol), aparentemente brilham para nós?
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