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Cantar em coro é muito bom para nos sentirmos de harmonia com o mundo e com os outros. Excelente será pensar em coro como se faz no país "do outro lado do espelho".
Acho muito divertida, além de importante, esta actividade de pensar em coro, porque será uma daquelas experiências novas que nos dá a esperança de ser a melhor, a mais produtiva forma de...
Seria em silêncio, naturalmente, o que dá mais razões de esperar. Confio no silêncio mais do que em qualquer conversa muito inteligente: nesta há sempre um ruído de fundo perturbador.
Pensar em coro pode ser assim ou doutra forma qualquer: diversas pessoas reunidas num palco pensam arduamente, durante uma ou duas horas, num tema escolhido antes, perante um público em profundo silêncio seu na plateia, ou tentando acompanhar o coro, o silêncio do coro. Seria um espectáculo de muito bom gosto.
No fim desse tempo, os elementos do coro poderiam quebrar o silêncio, desde que alguém lhes dirigisse a palavra. Todavia se isso não acontecesse, continuariam em silêncio, e tudo estaria bem.
No primeiro caso, poderiam ter chegado a uma conclusão e, embora isso não fosse essencial, quereriam falar dela. Digo que um dos mais relevantes poderes que todos temos é o de atribuir às palavras significados diferentes conforme nos convém, o que é absolutamente extraordinário e muito, muito conveniente. E também inconveniente: quando falámos, metemo-nos em sarilhos justamente por causa dessa irritante multiplicidade de significados para o mesmo vocábulo.
Voltando àquele espectáculo, seria uma espécie de meditação em conjunto e com tema para que ninguém se dispersasse, sem maestro de batuta ou com maestro sem batuta ou mestre.
Em geral, os grupos corais ensaiam para cantar em público com harmonia. No caso dos que pensam em grupo poderia não ser, que acham? Podiam pensar em lugares tranquilos e sós e não em palco para público. Tinham de estar de acordo desde o princípio. Talvez não fosse necessário ter ensaios, consultar pauta…
Num caso ou no outro, o que não lhes perdoaríamos era que se desarmonizassem.
(Gostaria que os meus amigos glosassem este tema e desde já lhes dirijo a palavra para que quebrem o silêncio depois da sessão coral e nos falem das suas conclusões sem esquecer que conclusão é uma palavra solta).
Entro com o meu silêncio
na sala: no lugar um silêncio enorme.
Aumento o sossego...
Ou invadi o outro, perturbei?
Por momentos, apenas.
Passei. E deixo
lentamente o silêncio da sala, dos lugares.
Porque saí só com o meu silêncio
o outro ficou lá intacto.
Tal como Jerry Seinfeld e o seu amigo George, ambiciono escrever uma história em que nada acontece, absolutamente nada. Parece fácil, não é fácil. Quem está interessado em ler uma história em que nada acontece?
No entanto, essa é uma das minhas aspirações.
Na perspectiva de um dia de muito vento, antes que ele soprasse rijo, saí, cerca das 9 da manhã para uma volta à beira-mar.
Vi os preparativos para um dia comprido, primeiro sábado de Agosto. Preparativos gerais de arranjo e limpeza nas esplanadas e nos cafés. Vi ainda copos pelo chão, latas e outros desperdícios que cada um e todos deviam deixar num dos sacos colocados na praia e na esplanada. Há-de vir um homem tristonho varrer aquilo ou zangado já que sabe ser uma actividade malbaratada.
Comparei com o dia de ontem pelas 9 da tarde, ainda com o sol acima do horizonte, tão intenso de luz dourada que a água era de cor maravilhosamente azul. Para o sol, ia haver intervalo para descanso, mas na terra daí a pouco o movimento, a música e as vozes, os copos seriam uma loucura pela noite dentro.
Já havia gente estendida na areia queimada e algumas pessoas tomavam banho na água classificada recentemente de boa. Os resultados das análises afixadas na praia comprovam isso. Há zonas vigiadas e concessionadas (há um nadador salvador e um posto de socorros), zonas vigiadas e outras não vigiadas e até perigosas.
A minha deambulação levou-me tranquilamente à Avenida do Brasil, a pensar de novo no trajecto do sol que ainda está do outro lado, se bem que se tenha erguido há muito. De modo que a cor do mar não é como a de ontem nem a das árvores nem a das rochas.
A ruminar estes pensamentos, de olhos no chão, vejo estampado no cimento, de quando em quando, indicações preciosas - boicote ao voto, apanhe os dejectos do seu cão, penso por mim, vou conseguir.
Subi então a um pequeno muro e olhei para baixo para a espécie de superficie lunar de rocha metamórfica onde as gaivotas costumam pousar. E pensei por mim: eu não sei voar, não sei se sei morrer, não quero saber morrer, quero saber voar, quero voar, voar, não saber, voovoovoov, vou voar, vou, vou saber como as coisas se dão, saber onde nasce o silêncio, ver a noite, saber para além, ver-Te.
Mas não consegui.
Não acontece nada.
Foto de Jorge Cardoso
Descubro um mundo antigo inteiro
de pássaros que cantam
pela transparência da manhã
e fazem em festa os ninhos
nos muros de pedra, nos ciprestes
nas oliveiras, espalhando alegremente
perfumes quentes de roseiras
de morangos silvestres
de frescura de fontes e de brilhos.
O silêncio apenas regressa com o luar.
Então a sombra aquieta-se na noite
e a música é outra e é de longe
ou de mais fundo.
O lugar adormece assim dia após dia
e eu não sei se sonhei se é verdadeiro.
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