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(estranha luz entre velhos arbustos)
Um mundo desconcertado, percebi, é mais interessante do que um mundo perfeito (embora não tenhamos qualquer experiência de um mundo perfeito), porque é mais intenso, mais sedutor …
Camões referia-se a um mundo desconcertado como sendo cheio de acontecimentos difíceis de compreender, coisas vãs e efémeras como a glória e o mando, injustiças como má fortuna para os bons e merecedores de boa, e boa para os que não a merecem, de amores não correspondidos e impossíveis, de auras falsas e incertas, de grandes conquistadores sempre insatisfeitos, de “esquivanças do bem”...
Para reforçar a minha reflexão sobre este desregramento, leio um livro de Matthieu Ricard com o título deste artigo. O autor cita Rabindranah Tagore: “Interpretamos mal o mundo e depois dizemos que ele nos engana”.
O Poeta sente-se desamparado (não sei se interpretou mal ou se o mundo o enganou). Fala de quem levasse uma vida simples tranquila humilde e fosse ignorante, “sem imaginar a água donde nasce, nem quem a luz esconde no horizonte”, de quem tivesse, enfim, “perdido o siso” como exemplo de pessoa feliz.
Ele próprio gostaria de viver com as suas musas num ambiente bucólico, celebrando o Tejo, junto daquela que entreteceria rosas nos cabelos brilhantes de sol. Se vivesse assim, não pediria para si a ignorância do que perdeu o juízo, mas sim um duplo entendimento “por ter de tanto bem conhecimento”.
Ricard afirma que felicidade é o gosto de viver, é amar a vida. É preciso ter uma percepção nítida da realidade e saber como funciona o espírito para eliminar o ódio e a obsessão que o ocupam e envenenam. É necessário não nos deixarmos confundir. Porque não há limite para os nossos desejos, é impossível encontrar felicidade no exterior de nós.
Precisamos de ver o mundo a partir da nossa serenidade interior, sem emoções perturbadoras que nos darão visões erradas, mas com altruísmo e sabedoria.
O Poeta sábio compreendeu também que seria feliz não apenas pela simplicidade e beleza do que o rodeava (coisas efémeras), mas porque ele próprio, experiente e agora clarividente, não queria desejar mais. Estava preparado para não desejar mais.
Bebo então "o primeiro vinho claro e vermelho, de gotas frias escorrendo no barro", e como Agustina no final da sua Embaixada a Calígula, digo: "se quiserdes, bebei também".