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Aquele piano recebe instruções para tocar de certa maneira quando as mãos de G. Sokolov lhe tocam, quando o tocam.
Chopin? Rachmaninoff?
Polonaises? Prelúdios?
Que sei? Que quero saber? Nada, nada!
É lindo. Foi lindo. Diferente e igual.
Fiquei fascinada, muito atraída!
O artista, nascido em 1950, conserva a agilidade, a inteligência, a memória. A paciência. É capaz de pensar, reflectir e modificar-se. Alterar o que sabe. Em todos os tempos, enquanto assim for.
O público fica horas a ouvir os seus encores.
Eu tinha saudade deste concerto. Da música que é som e silêncio combinados de cada vez da mais bela forma. Sempre única. Que ele conhece e eu não.
Saio, não quero abusar, caminho pela avenida sem pousar os pés no chão, reflectindo ainda, conquistando a minha vida…
Só para lhes mostrar como é poético o meu sítio a esta hora, neste dia de Setembro...
Voltará a ser amanhã como hoje? Voltará a ser de algum modo?
Devo guardar a imagem na memória, pode não voltar a ser. E também nesta outra memória mais dura e difícil de se extinguir.
Talvez venha a ser memória de outra memória. Talvez esta imagem permaneça, sem haver quem a veja.
Mas não quero filosofar.
Estou a ajustar contas comigo.
(ler artigo de Neusa Pinheiro na revista Saude & Lar de Julho 2009)
Estou de acordo com José Saramago.
Ele costuma ser pessimista e também maldisposto, como todos sabem, mas ultimamente confessa, com um sorriso, a sua esperança numa era pos-Obama e num mundo melhor. Confia numa pessoa "que levanta a voz para falar de valores, de responsabilidade pessoal e colectiva, de respeito pelo trabalho, também pela memória daqueles que nos antecederam na vida".
Crê num homem que veio dizer-nos que "outro mundo é possível" e que "o mundo pode ser melhor do que isto".
Isto… é um mundo “cínico, desesperançado, sombrio, terrível…”
Obama "resolverá ou intentará resolver os tremendos problemas que o estão esperando, talvez acerte, talvez não, e algo nas suas insuficiências, que certamente terá, vamos ter de lhe perdoar..."
Estamos todos a pensar assim a respeito do novo presidente dos Estados Unidos. Porém, um pormenor é importante: ele tentará ou resolverá os terríveis problemas que o esperam, diz Saramago. Então e nós? diremos em bicos de pés.
Não vamos experimentar decidir alguma coisa? Não vamos ajudar? Não nos comprometemos todos a respeitar valores importantes como a igualdade social? Não nos responsabilizamos pelo esforço de sair deste ”tempo que vivemos”? Não nos vamos empenhar em construir um mundo “mais limpo, mais prometedor”?
Cidadãos do mundo, cada um de nós, ao repetir o slogan da campanha do novo presidente, prometeu. Responsabilizou-se.
Em Portugal, há um MOVIMENTO que arrisca ir além de ter e de dar esperança.
Um dia, encontrei debaixo da cama onde dormira, um livro de Alçada Baptista. Alguém que lá tinha ficado anteriormente, deixara cair o livro, de certo, chutado depois para debaixo da cama. Não sei quanto tempo lá esteve, não teria sido muito. Era Os Nós e os Laços, li-o logo com muito interesse, tinha que me apressar, certa de que o dono o pediria.
Encantou-me.
Do escritor, apenas tinha lido artigos de jornais e revistas, foi uma descoberta.
Influenciou-me muito o seu estilo simples, a escrita suave, a crítica sem zanga nem amargura, a sua sensibilidade, o seu humor sem ressentimentos. Considerei aquele acaso uma espécie de aparecimento.
Foi um revolucionário cultural: participou de um grupo que fundou a celebrada revista O Tempo e o Modo, que viria a ser fundamental no panorama cultural e político português nos anos 60. O grupo adquiriu a Livraria Morais Editora que foi suporte da revista, e que editou o que de melhor havia para publicar de escritores portugueses a par com traduções dos melhores pensadores europeus.
Recordo as palavras de Alçada Baptista sobre O Tempo e o Modo: “Foi resultado da necessidade que nos pareceu evidente de ter um órgão de intervenção que mostrasse o nosso empenhamento em manter diálogo e alianças com a oposição tradicional”.
Foi também publicada pela Moraes a revista mensal Concilium, edição portuguesa da revista internacional, com traduções de textos teológicos e o objectivo de renovar o pensamento da Igreja que queriam aberto ao diálogo, à crítica e à livre investigação.
Como católico progressista ou de esquerda como mais tarde preferiu, quis fundar um partido democrata-cristão semelhante a existentes noutros países.
Na minha frente, tenho um precioso volume de memórias de A.A.B. – A Pesca à Linha.
Aprecio demasiado esta forma de contar pequenas histórias divertidas a entremear os artigos mais sérios que tudo são recordações de encontros com as numerosas pessoas interessantes de várias ideologias que conheceu e com quem se relacionou em razão das suas iniciativas e actividades culturais.
“Quando a gente anda metido na vida como eu andei, acabamos por ter nos braços uma multidão de coisas, de acontecimentos, sentimentos e emoções que é difícil não cair na tentação de partilhar com os outros.”
“Sinto que vivo debaixo do peso da minha memória, que é ela que me condiciona. Por isso, o tempo é a minha matéria e o meu enigma.”
…” a memória é a principal testemunha da nossa passagem sobre a Terra, o que quer dizer também que nos espera o esquecimento.”
Foi um homem bom, interessado na comunidade, optimista e afectuoso que talvez, apesar de todo o seu activismo cultural, não tenha realizado tudo o que ambicionava.
Alguém realiza?
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