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Cada noite, espero com ansiedade o fim da noite, o aparecimento da luz.
É a luz que vai mostrar-me… que me apontará o mundo. Até à madrugada, tudo é inteiramente obscuro.
Espreito o alvorecer inquieta.
Pois enquanto o Sol não aparece, tudo é afim de nada. Não gosto de nada, não gosto de tudo. Aguardo o que admiro e que é fundamentalmente a iluminação. Afim de saber onde estou e o que tenho para olhar. Ver, não tanto percepcionar.
Ver claro, é o meu desejo. Ver o mundo com virtudes, com beleza, com pessoas… sem virtudes, sem beleza, sem pessoas. Quero ver tudo o que tem dado substância à minha vida, aquém e além, e que é a base do meu pensamento.
Aprecio contemplar, emocionar-me. Pensar. Tudo é ou irá ser como sempre vi? Será como penso que é, com novidades?
Talvez seja uma paisagem de futuros, o que julgo ir ver hoje. De passados não é, de certeza.
Não penso no passado. Seria um atraso na minha vida tão pouco vivida. Tão menos vivida do que teria sido meu desejo e do que podia ter sido.
Quero vivê-la muito, depressa. Do tempo futuro… devo aproveitar todos os momentos. Estão disponíveis para mim.
Imagino então que futuros desejados irão cristalizar um dia e ser realidade? E como? Que iremos inventar ainda para vivermos melhor…?
Melhor?
Daqui a cem anos, daqui a um milhão de anos… na Europa, no mundo, no universo… na minha pequena comunidade… quando já não participar dela… nem nenhum dos que estão agora comigo…? Nem aqueles que com inteligência e imaginação inventaram a ciência que nos dá cada dia uma vida diferente…?
Ou poderei ver uma paisagem de condicionais que seria aceitável e até importante por razões de sobrevivência, diz G. Steiner.
Do mesmo modo, por razões estéticas, uma montanha de “ses”, bela e agradável, com variadíssimos e fascinantes tons de verde seria bem-vinda.
O “se” pode significar (se bem percebi, o que disse Steiner) rejeição de factos que não importam, que preferia que não tivessem acontecido ou que não fossem acontecer. Mas receio.
Por exemplo, se não tivesse olhado com interesse cada madrugada, se não tivesse tentado reparar e reflectir, não haveria mundo? E não haveria eu nem o outro nem as circunstâncias que nos rodeiam?
Os casos que preferia que não tivessem acontecido, tenho esperança de que não venham a acontecer. E isto é o que eu gosto de pensar: que essas coisas que não me agradam não venham a acontecer em nenhum futuro nem em nenhum condicional.
Calculo bem que não há um começo todas as manhãs a seguir ao apagamento da noite. A experiência diz-me que haverá uma actualização, não um começo. Reparando e reflectindo, vou saber o que aconteceu, que novidades há, o que mudou desde o último apagamento.
E é sobre essa actualização que eu espero ter todos os dias uma história para contar.
Por isso, é meu desejo que a luz do Sol apareça muito antes do meio-dia para esclarecer os factos, os gestos, as atitudes e as paisagens e para me iluminar o espírito.
No princípio existiam o Caos e a Noite, o negro Érebo e o profundo Tártaro; mas não havia a Terra nem o Ar nem o Céu. E a Noite nos infinitos recessos de Érebo gera o primeiro entre todos, o Ovo de negras asas; e deste ovo, fecundado pelos ventos, nasce no devido tempo Eros, o deus cobiçado, de dorso resplandecente e asas de ouro, semelhante aos torvelinhos rápidos como o vento.
(Imagem gentilmente oferecida por Marcolino Osório)
(Aconselho-os a vê-la o mais ampliada possível)
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