No Porto, a festa do cinema francês decorre este ano de 20 a 29 de Outubro no auditório da Fundação de Serralves e nos cinemas Cidade do Porto.
Estive ontem à tarde no Auditório para ouvir Agnès Varda falar do seu trabalho. É uma mulher interessantíssima que foi fotógrafa, cineasta e agora aos oitenta, diz ela, é artista.
Pelo menos, representa-se muito bem no seu retrato em cinema. E diz: “Muitas pessoas idosas desejam contar a sua vida. Eu também. Queria transmitir aos que me estão próximos e a alguns outros, os feitos e os trabalhos do meu percurso de vida.”
Acho que ficámos a saber quase tudo, aliás o único pecado do filme que fui observar à noite, é ser um pouco longo e como tal difícil de ver de uma assentada.
“Encontrei uma forma de fazer um filme desta embrulhada que emerge casualmente da minha memória”.
É uma colagem donde espera que saia uma figura ou uma paisagem. Há excertos de filmes seus, de documentários, fotografias de acontecimentos que considerou importantes, a sua aventura de amor, a vida de família, as viagens que se integraram no seu cinema e neste filme. São recordações antigas misturadas com o presente, partes de criações e fantasias.
Um momento interessante do documentário é, para mim, o dos espelhos numa praia do mar do Norte, onde passava férias na sua juventude, a praia de Sète. Os espelhos de distintos tamanhos e formas são voltados para o mar, para a câmara e para outras pessoas, mais do que para si como seria de esperar num auto-retrato. “Um pintor volta o espelho para si próprio e pinta-se. Eu não posso fazer isso”, diz Agnès Varda. Porém, pode realizar estranhos sonhos como o de ver os trapezistas com o mar ao fundo, já que o cinema tem essa finalidade: realizar sonhos.
Falou das filmagens nas praias americanas, nos jovens actores dessa época que se tornaram famosos, nos hippies e nos panteras-negras, nas pinturas de rua. Falou no feminismo que não deve ser abandonado e na sua gata tão estimada para quem fez um túmulo.
Nas duas instalações da Capela de Serralves, podemos ver o túmulo da gata Zgougou e o mar, o ruído das ondas, o seu belo movimento perpétuo, a leveza, o seu peso.
Um filme, conta ainda Agnès Varda, não tem que ter um grande tema nem deve ser levado demasiado a sério.
A cena do escritório na praia improvisada numa rua de não sei onde, com os funcionários em fato de banho foi prova da motivação constante da equipa que a acompanhou.
Ela própria feita “clown” interpretou o seu papel. E recordou quando fez de batata num festival de cinema e se passeou assim pelo meio dos assistentes, querendo chamar a atenção para o seu filme que receava ninguém fosse ver. Ainda conserva o fato de batata que vestiu na ocasião.
Nesta cinescrita, as “aventuras da minha imaginação” são acompanhadas pela mistura de toadas que resultou do "som das minhas histórias gravadas em sítios diferentes, com timbres diferentes, com o som misturado dos meus filmes, entrevistas antigas, música" – um caleidoscópio.
No fim, sim, vimos a Mulher.