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Amanhã conto como foi.
Durante duas horas, os amigos estiveram a chegar, a cumprimentar-se com grandes abraços e exclamações. Não se viam desde o ano anterior, ou desde a última reunião da confraria, ou desde a convenção da associação a que pertenciam... E punham a conversa em dia, muito regada com vinho verde fresquíssimo de bela cor pálida dourada.
Francisco Calheiros e Rosarinho cumprem com gosto a velha tradição do Paço de Calheiros: no dia da festa do Senhor dos Perdidos recebem nos jardins da sua Casa. E os amigos vêm de longe e de perto, do sul e do norte... para se encontrarem naquele lugar da encosta de uma das colinas que circundam a vila; e de onde se avista um dos mais belos e grandiosos cenários do Minho.
O Paço cumpre a tradição, a freguesia não cumpre.
A tradição mandava que a procissão entrasse na propriedade, percorresse o belíssimo terreiro de árvores seculares, passasse junto da fonte de pedra monumental até à frente da capela, onde havia uma mesa devidamente posta (prolongamento do local sagrado que permitia que toda a gente do terreiro ficasse dentro dele). Nesse momento, o padre saudava os presentes, dava a volta à mesa e saía depois pelo mesmo portão da entrada, seguindo o percurso da aldeia. Era um alvoroço, esse excesso de percurso não parecia incomodar ninguém, excepto os que consideraram humilhantemente feudal entrar na propriedade do senhor. Que de resto tem os portões sempre abertos.
De modo que a procissão deixou de entrar na propriedade, enquanto o almoço dos amigos continuou a realizar-se, como antes. A procissão, que era pretexto para o almoço, ficou arrumada à distância, substituída por ranchos folclóricos que dançam muito bem e cantam e animam o ambiente com prazer visível e entusiasmo.
Para o almoço tradicional, cada família leva a especialidade da sua casa, mas os Calheiros oferecem a canja, a feijoada, o vinho, outras iguarias.
No fim, há discursos bem humorados, Francisco Calheiros conta com simplicidade o que de importante ocorreu na sua família desde o ano anterior.
E chega o momento mais esperado, transcendente: ele abre solenemente as portas da sala das sobremesas e é um deslumbramento de cores e de perfumes, de brilhos e da música suave que cada um ouve dentro de si.
Acreditava se me dissessem que a doçaria tinha sido acabada de preparar nas grandes cozinhas do Paço com ovos frescos de galinhas medievais criadas por ali. Por isso, também creio em quem afirma que come doces apenas uma vez por ano, neste dia, nesta casa.
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