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Um aniversário em silêncio
"As pessoas não morrem: andam por aí. Quantas vezes as sinto à minha volta, não apenas a presença. O cheiro, a cumplicidade silenciosa, palavras que saem da minha boca e me não pertencem, penso
- Não fui eu quem disse isto
E realmente não fui eu quem disse isto, foram as pessoas mortas, exprimem opiniões diferentes das minhas, aproximam-se. Afastam-se, vão-se embora, regressam, não me abandonam nunca. Em que parte da casa moram, qual o lugar onde dormem, devíamos deixar pratos a mais na mesa, talheres, copos, almoço que chegasse, os guardanapos nas argolas, um lugar no sofá, metade do jornal, dado que não se sumiram: andam por aí, invisíveis
(invisíveis?)
densas de humanidade, tão próximas. Umas alturas muitas, outras uma ou duas apenas por terem que fazer noutro lado, no caso de saírem não vale a pena preocuparmo-nos: têm a chave e a prova que têm a chave está em que entram, silenciosas, amigas, penduram os casacos no bengaleiro, sorriem.”
Trecho de uma crónica de António Lobo Antunes in "Quinto livro de crónicas"
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