A Mariana fez quarenta anos e uma festa lá em casa. Perguntei-lhe se notava alguma diferença entre este aniversário e os que já viveu. Agora é um número redondo, pensava eu, e toda a gente se impressiona com isso, tal como se emocionou com a viragem do século e com o novo milénio...
Ela respondeu: "É igual. Não noto qualquer diferença".
O que não será tanto assim, visto que desta vez a festa, dois dias depois do aniversário, que preparou e a que preside será enorme. A Casa sempre aprimorada está toda luminosa e iluminada, com arranjos decorativos originais, na varanda quase um jardim de amores brancos e sofá, almofadas e mesa de palhinha, mesas Eileen Gray, uma grande de madeira oriental com castiçais.
A humidade estava no ar e acabou por cair docemente em gotículas gostosas, a alegria continuou e ampliou-se com o decorrer da noite.
A música vinha da sala principal transformada, só espaço, sem sofás nem cadeiras, muitos metros de campo para circular de prato e copo na mão, e para cantar e dançar. Houve uma coisa e outra e cumprimentos e saudações e abraços, sorrisos e risos. Os amigos cantaram em coro os versos imaginados por um dos elementos do grupo, inscritos num grande painel com assinaturas de todos os presentes, e dedicados à feliz aniversariante. Tudo a vermelho vivo.
As iguarias sobre a mesa eram um conjunto espectacular, uma obra de arte, original e sugestiva, tremendamente atraente. Como conseguir provar cada coisa? Esse constituiu um dos principais problemas da noite.
Havia por todo o lado imagens dos filhotes que a Mariana elegeu como seus heróis principais. Circulavam por ali de vez em quando, um ou outro, até o bebé ao colo da sua grande amiga, a mesma Maggy dos seus irmãos, de olhos arregalados, sacudindo vigorosamente quem se aproximava com má intenção: a de o tirar desse conforto de colo. Até que caiu para o lado, de sono.
Houve festa até de manhã com alta música que nenhum vizinho próximo teve de ouvir. Amanhã é outro dia. Outro ano. Um novo milénio?
INSTANTE
Deixai-me limpo/ o ar dos quartos/ e liso/ o branco das paredes
Deixai-me com as coisas/ fundadas no silêncio.
(Poema de Sophia)