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As minhas mãos

por Zilda Cardoso, em 14.02.09

As mãos tornaram-se um objecto fascinante para o meu neto. Posso mostrar-lhe e oferecer-lhe brinquedos coloridos, macios, musicais, perfumados, com bom paladar… mas nada lhe importa como as minhas mãos. 

Passa a minúscula mão dele, uma coisinha atraente e perfeita, uma curiosa obra de arte, ou as duas pelas minhas, passa com cuidado, extremamente atento, a senti-las serenamente, com gozo… fica zangado se lhas retiro.

É com toda a nitidez um encantamento, e eu não tenho a audácia de o desiludir. Felizmente, penso ainda, está muito longe de saber falar, muito longe, se bem que a expressividade do seu rosto me dê a certeza de que pensa coisas essenciais. Eu é que sou visceralmente ignorante acerca delas, embora me tenha julgado, até agora, capaz de adivinhar algumas. São em verdade pensamentos íntimos, profundos, onde o meu raciocínio não chega.

Há outras maneiras de ordenar o mundo para além daquelas com base na razão, como a filosofia e a ciência. A religião e mesmo a mitologia são tentativas muito válidas de o ordenar. Penso por vezes que o mito está mais próximo da realidade do que qualquer outro arranjo.

Não se trata de mito: o meu neto, que nasceu sábio e está atento ao que o rodeia, descobriu coisas acerca das minhas mãos que eu ignoro. Mesmo a Internet não sabe, já verifiquei.

Vejo-as com manchas de vários tamanhos e formas e cores a despropósito. Reproduzem um mapa do género do metropolitano de Paris, complexo de veias onde corre sangue quente não vermelho nem azul, mas verde… tudo coberto de pele de cor indefinida e amarfanhada de muitas maneiras. Além dos caminhos verdes, há outros em relevo esbranquiçados que vão a outras paragens, a diversas estações.

Todavia, de que se trata? Nunca tinha reparado em nada disto que é fácil e superficial e não me leva muito longe. O neto tenta chamar a minha atenção para coisas profundas que eu não sou capaz de perceber a ponto de as traduzir em palavras.

Palavras? É que só tenho aprendido a pensar com palavras. E a entender o que pode ser dito com palavras. E a transmitir os meus pensamentos pobremente com palavras.

Ele conhece outras maneiras, sabe.

 

 

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publicado às 17:23




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