Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Hoje, ao fim do dia, tomei uma decisão importante: juntar pedaços de mim que têm andado dispersos por aí e tentar construir uma unidade coerente. Como se isso fosse possível ou sequer desejável.
Metade dos filósofos que conheço pensam que tem que haver unidade para haver conhecimento, querem dizer, não se pode conhecer o que varia, o que não é uno. O que é uma tarefa transcendente, mas será o meu jogo para os próximos tempos. E que farei alegremente, não superficialmente. Porque tal como cita o meu amigo bloguista Manuel, a partir de Mário Andrade, não tenho tempo nem desejo de me ocupar senão do essencial.
E diz M. A. que não quer debater rótulos mas conteúdos… E que tendo poucas cerejas na taça (como eu trinco de vagar cerejas frescas e duras entre dentes quase com raiva mas com enorme volúpia), quer aproveitar todas as que restam a viver ao lado de gente humana, coisas e gente de verdade. E eu ponho-me a pensar no que é o essencial como se fosse um objecto e no que é gente de verdade como se houvesse gente de verdade ou como se eu a conhecesse.
Não será o essencial para alguns a telenovela diária? Ou o mexerico com o vizinho? Ou a luta fratricida com o colega de emprego competitivo? Ou com o atleta que corre ao nosso lado? Ou a discussão inflamada sobre futebol e o clube rival e o árbitro e o treinador e o dirigente…? Ou sobre estafados temas políticos?
Não será alguma dessas coisas o essencial? Serão algumas dessas pessoas… gente de verdade?
Haverá muitos essenciais. E muito diferente gente de verdade. De certeza, há conceitos a definir.
O que é para mim essencial não é para o outro nem para o outro?
Então o que me interessa descobrir é o essencial em si de que faria ciência, baseado em estudo e análise? Ou de que faria religião baseado em fé?
Ou interessa-me o variável essencial que satisfaz cada um que proclama a sua opinião sem fundamento?
Há os meus amigos e as pessoas que admiro a quem pergunto tudo isso e cujos textos vou ler com redobrado prazer.
(ler artigo de Neusa Pinheiro na revista Saude & Lar de Julho 2009)
Durante duas horas, os amigos estiveram a chegar, a cumprimentar-se com grandes abraços e exclamações. Não se viam desde o ano anterior, ou desde a última reunião da confraria, ou desde a convenção da associação a que pertenciam... E punham a conversa em dia, muito regada com vinho verde fresquíssimo de bela cor pálida dourada.
Francisco Calheiros e Rosarinho cumprem com gosto a velha tradição do Paço de Calheiros: no dia da festa do Senhor dos Perdidos recebem nos jardins da sua Casa. E os amigos vêm de longe e de perto, do sul e do norte... para se encontrarem naquele lugar da encosta de uma das colinas que circundam a vila; e de onde se avista um dos mais belos e grandiosos cenários do Minho.
O Paço cumpre a tradição, a freguesia não cumpre.
A tradição mandava que a procissão entrasse na propriedade, percorresse o belíssimo terreiro de árvores seculares, passasse junto da fonte de pedra monumental até à frente da capela, onde havia uma mesa devidamente posta (prolongamento do local sagrado que permitia que toda a gente do terreiro ficasse dentro dele). Nesse momento, o padre saudava os presentes, dava a volta à mesa e saía depois pelo mesmo portão da entrada, seguindo o percurso da aldeia. Era um alvoroço, esse excesso de percurso não parecia incomodar ninguém, excepto os que consideraram humilhantemente feudal entrar na propriedade do senhor. Que de resto tem os portões sempre abertos.
De modo que a procissão deixou de entrar na propriedade, enquanto o almoço dos amigos continuou a realizar-se, como antes. A procissão, que era pretexto para o almoço, ficou arrumada à distância, substituída por ranchos folclóricos que dançam muito bem e cantam e animam o ambiente com prazer visível e entusiasmo.
Para o almoço tradicional, cada família leva a especialidade da sua casa, mas os Calheiros oferecem a canja, a feijoada, o vinho, outras iguarias.
No fim, há discursos bem humorados, Francisco Calheiros conta com simplicidade o que de importante ocorreu na sua família desde o ano anterior.
E chega o momento mais esperado, transcendente: ele abre solenemente as portas da sala das sobremesas e é um deslumbramento de cores e de perfumes, de brilhos e da música suave que cada um ouve dentro de si.
Acreditava se me dissessem que a doçaria tinha sido acabada de preparar nas grandes cozinhas do Paço com ovos frescos de galinhas medievais criadas por ali. Por isso, também creio em quem afirma que come doces apenas uma vez por ano, neste dia, nesta casa.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.