Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Santo António

por Zilda Cardoso, em 07.11.15

 

(Imagem da Internet)

Não é que eu goste de contar histórias que parecem ficção. Não. Não gosto que pareçam: ou são ou não são. E isto tem que ficar claro desde o início.

Porém, ando há dias a ruminar uma história absolutamente verdadeira, alguma coisa que me aconteceu mas que tem o seu quê de fantasia. Procuro o sentido...

Não inventei nada: deixei que um pouco de transcendente entrasse e contaminasse a realidade?

Vou contar. Vejam.

Perdi um objecto de valores, de muitos valores há algum tempo.

Tristemente tristonha, procurei em todos os sítios que me pareceram possíveis e mesmo em alguns impossíveis. Uns foram de difícil pesquisa, outros de pouco trabalho. A parte de busca mais trabalhosa culminou no tanque de peixes dourados e vermelhos, nenúfares e lírios amarelos, muito musgo, pedras e lama. Tinha sido um arranjo decorativo complexo aquele arranjo e estava assim há alguns anos.

Decidi esvaziar o tanque; e durante horas lutamos, eu e mais quatro, contra esses elementos que na verdade precisavam de uma operação de higiene profunda. Achei que havia muitas probabilidades de ter caído ali, o objecto precioso, e poucas de ser encontrado. Não encontrámos o que era procurado, mas o tanque ficou limpo. Foi alguma coisa de que me orgulhei.

Mas não foi proveitoso para o fim em vista. Não apareceu o que procurava.

Desisti e fiquei com o desgosto.

Algumas pessoas sabedoras do caso e amigas de ajudar disseram: “por que não invocas o Santo António…?”

Eu tinha demasiada consideração por este Santo, Doutor e Pregador de excepcional mérito, para o usar em coisa tão insignificante, para abusar da sua paciência. Mas os amigos insistiram: “Olha que ele costuma fazer o milagre de encontrar objectos difíceis, problemáticos, perdidos. Tens que lhe rezar o responso”.

Comecei a achar tolice não fazer o que me sugeriam com tanto interesse e amizade. Recordei uma célebre frase que me habituei a ouvir ao meu Pai: “Sei que não há bruxas… mas se as há!?”Comecei a admitir rezar o responso, em desespero de causa.

Lembrei-me então de falar a um grande amigo que sabe tudo acerca de portuensismos, de hábitos antigos e velhas devoções dos portuenses. E foi notável! Simplesmente notável!

Procurou logo o responso e, se bem que só mo tivesse enviado no dia seguinte, dia 17, ele estava escolhido e ficou decerto comprometido. O milagre aconteceu, nesse dia. A sua interferência não deixou quaisquer dúvidas. A interferência de ambos.

O responso de que me inteirei reza assim:

Se milagres desejais/Recorrei a Santo António/Vereis fugir o demónio/E as tentações infernais/Recupera-se o perdido/Rompe-se a dura prisão…/Todos os males humanos/Se moderam, se retiram…/Recupera-se o perdido/Pela sua intercepção/Foge a peste, o erro, a morte…

….

Não esperei muito: mais uma vez o ilustre Santo, cuja admirável biografia tinha lido no curso de filosofia, cumpriu a promessa de fazer fugir o demónio: o objecto apareceu para meu regozijo dentro dum sapato que nunca tinha usado. Mas que levei e trouxe de vários lugares, de cada vez arrumei em casa no armário próprio, e fora de casa no saco donde nunca os retirei.

Nesse dia 17, decidi, depois de prolongadas hesitações, calçar os célebres sapatos, aliás sapatilhas com cores diabólicas. E quando pretendi enfiar o pé numa delas, alguma coisa impediu que ele entrasse e assentasse. Era o célebre objecto precioso e tão procurado.

Que entendo eu de razão? - gritei para mim própria. Mas que entendo eu de razão?!

Fiquei perdida nas minhas reflexões…

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 09:09





Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

  Pesquisar no Blog



Arquivo

  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2021
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2020
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2019
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2018
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2017
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2016
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2015
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2014
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2013
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2012
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2011
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2010
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2009
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2008
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D