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Vou contar. Vejam.
Perdi um objecto de valores, de muitos valores há algum tempo.
Tristemente tristonha, procurei em todos os sítios que me pareceram possíveis e mesmo em alguns impossíveis. Uns foram de difícil pesquisa, outros de pouco trabalho. A parte de busca mais trabalhosa culminou no tanque de peixes dourados e vermelhos, nenúfares e lírios amarelos, muito musgo, pedras e lama. Tinha sido um arranjo decorativo complexo aquele arranjo e estava assim há alguns anos.
Decidi esvaziar o tanque; e durante horas lutamos, eu e mais quatro, contra esses elementos que na verdade precisavam de uma operação de higiene profunda. Achei que havia muitas probabilidades de ter caído ali, o objecto precioso, e poucas de ser encontrado. Não encontrámos o que era procurado, mas o tanque ficou limpo. Foi alguma coisa de que me orgulhei.
Mas não foi proveitoso para o fim em vista. Não apareceu o que procurava.
Desisti e fiquei com o desgosto.
Algumas pessoas sabedoras do caso e amigas de ajudar disseram: “por que não invocas o Santo António…?”
Eu tinha demasiada consideração por este Santo, Doutor e Pregador de excepcional mérito, para o usar em coisa tão insignificante, para abusar da sua paciência. Mas os amigos insistiram: “Olha que ele costuma fazer o milagre de encontrar objectos difíceis, problemáticos, perdidos. Tens que lhe rezar o responso”.
Comecei a achar tolice não fazer o que me sugeriam com tanto interesse e amizade. Recordei uma célebre frase que me habituei a ouvir ao meu Pai: “Sei que não há bruxas… mas se as há!?”Comecei a admitir rezar o responso, em desespero de causa.
Lembrei-me então de falar a um grande amigo que sabe tudo acerca de portuensismos, de hábitos antigos e velhas devoções dos portuenses. E foi notável! Simplesmente notável!
Procurou logo o responso e, se bem que só mo tivesse enviado no dia seguinte, dia 17, ele estava escolhido e ficou decerto comprometido. O milagre aconteceu, nesse dia. A sua interferência não deixou quaisquer dúvidas. A interferência de ambos.
O responso de que me inteirei reza assim:
Se milagres desejais/Recorrei a Santo António/Vereis fugir o demónio/E as tentações infernais/Recupera-se o perdido/Rompe-se a dura prisão…/Todos os males humanos/Se moderam, se retiram…/Recupera-se o perdido/Pela sua intercepção/Foge a peste, o erro, a morte…
….
Não esperei muito: mais uma vez o ilustre Santo, cuja admirável biografia tinha lido no curso de filosofia, cumpriu a promessa de fazer fugir o demónio: o objecto apareceu para meu regozijo dentro dum sapato que nunca tinha usado. Mas que levei e trouxe de vários lugares, de cada vez arrumei em casa no armário próprio, e fora de casa no saco donde nunca os retirei.
Nesse dia 17, decidi, depois de prolongadas hesitações, calçar os célebres sapatos, aliás sapatilhas com cores diabólicas. E quando pretendi enfiar o pé numa delas, alguma coisa impediu que ele entrasse e assentasse. Era o célebre objecto precioso e tão procurado.
Que entendo eu de razão? - gritei para mim própria. Mas que entendo eu de razão?!
Fiquei perdida nas minhas reflexões…
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