Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Hoje, ao fim da manhã, tinha construído um belo pensamento lógico tão invulgar como a Catedral de Gaudi em Barcelona (que não queria ver acabada), mais fulgurante que a igreja do Marco do meu amigo Álvaro Siza; tão elegante e límpido e simples como alguns dos seus edifícios algures no mundo.
Surgiu-me combinado com a 9ª de Beethoven ou coisa assim, e tinha a forma de um poema de Camões.
Apreciei tudo isso.
Era um pensamento poético e brandamente filosófico cuja lógica, não excessivamente transcendente, mas transparente, parecia de valor fundamental. E que a humanidade devia conhecer para seu bem.
Porque se tratava de compreender intransitivamente, de saber a razão, o como, donde e para onde vou, o que faço aqui… essas coisas.
Aquele pensamento… precisava registá-lo, mesmo inquietante e de fácil incessante possível sumiço, ou por isso mesmo, necessitava transmiti-lo, não queria que fosse brilhante e inútil.
Sentei-me para o escrever numa qualquer folha de papel. Ou no computador.
Aí brotou um obstáculo imenso: “escureceu-se-me o engenho”, poderia ter dito o Poeta, não conseguia pô-lo em palavras. Era irrepreensível esteticamente, observara-o de todos os ângulos e pareceu-me perfeito… enquanto esteve inteirinho na minha mente.
Apesar do ruído e do movimento em redor e dentro da cabeça, e no coração que parecia trepidar, aquele pensamento existia para mim há dias e estava com uma pujança tal que não era pensável que alguma dissonância pudesse arrebatar-lhe o valor.
Eu tinha conseguido raciocinar bem até que aquela ideia, como uma bomba, deflagrou. O meu pensamento brilhante foi literalmente esmagado. Ou, pelo menos, reduzido a fragmentos que se espalharam em todas as direcções.
Comecei a apanhá-los um a um, a juntá-los num lugar em que fizeram um volume considerável, mas… sem sentido. O que perdi, o que deixei escapar, foi a lógica. Como podia não perder? Apenas tinha fragmentos sem nexo!
Enfim não passou de um projecto (poderei dizer fantasioso ou metafórico ou o quê?) o que eu julgava ser um edifício com optimos alicerces, belos interiores, jardins estabelecidos; supostamente rico de referências, um dos que seria uma perda atordoadora perder-se.
O que me caiu, o que caiu sobre mim… foi a ideia de que é feito de intuições (anteriores aos pre-socráticos, como parece sugerir G. Steiner) e não pode ser dito. E quando insisti em querer gravá-lo, escrevê-lo… escapou-se. Explodiu.
É feito de intuições, sem dúvida, e como se difundem intuições? Não conheço linguagem em que as formule e as comunique, é isso, não conheço linguagem apropriada ao entendimento dos outros. Terei eu própria percebido?
Haverá maneira de ser entendido sem palavras?
Senti que me consumo. Que valor terá um pensamento que não pode ser dito, dançado, musicado, pintado, fotografado…?
É minha ambição conhecer urgentemente a linguagem de uma dessas artes; talvez, quem sabe, ele possa afinal nela ser expresso ou declarado.
Porém, o meu maior desejo é não precisar de linguagem alguma (para comunicar intuições).
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.