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Faço-me boa companhia, as mais das vezes. A escrita ocupa-me, porque o meu trabalho não é transcrever o que foi escrito por outrem. É transformar em escrito o que é por mim pensado.
Este pensado, este pensar é o que verdadeiramente me ocupa. E me faz companhia.
E, de certo modo, o pensado e o escrito estão intimamente ligados - não há escrita original sem pensamento conquanto haja pensamento sem escrita.
O pensado-e-escrito pode chegar-me de maneiras distintas. Para mim, há duas formas de escrever: uma é servir-me dos pensamentos que me ocorreram genuinamente e logo antes do acto da escrita.
Que são de estrutura muito frágil e se afundam facilmente. Qualquer mínima interrupção ou ruído pode fazê-los desaparecer da minha mente para sempre.
Mas eu persigo-os, sofrendo. Como se persegue uma ilusão.
Por isso, sinto o drama de não contribuir para o bem da humanidade (!) com um pensamento fulgurante, original e redentor apenas por que o deixei escapar com negligência. Que me tinha sido oferecido e não aproveitei.
E fico triste sabendo que não há nada mais triste do que perder um texto, nada. Nesse então, acho-me francamente só…
E perdida do sentido, de todo o sentido.
Mas pode acontecer que consiga escrevê-los, os pensamentos prodigiosos, e sentir-me espécie de mensageira, por muitos momentos, afortunada e em boa companhia, concentrada a ponto de não deixar escapar o sentido. Ponderando ainda que as palavras podem ser aquelas ou outras.
A outra forma é pensar num tema e aproveitar sobretudo os conhecimentos, as emoções, a memória daquilo a que o posso ligar e passar isso directamente para o papel. Quero dizer, sem aquela soberba e cúmplice matriz de que falei, apenas o tema a orientar-me.
Parto do pressuposto de que o tema que preferi é interessante e baseio-me em pensamentos que estão enraizados em mim, confusos e desordenados. E que organizo da maneira que sei, com o olhar posto no que quero atingir.
A diferença entre uma forma e a outra é que no primeiro caso transformo em escrita legível o que foi inspiração de momento, que elaborei simplesmente tecendo os vários elementos próprios da minha estrutura de pensamento antes de utilizar algum meio prático de gravação. E que me arrisco a perder tudo se não o fizer rapidamente.
O que pretendo é não deixar que se apague o que veio não sei de onde para mim como uma luz. Não o experimento como meu, mas como depositária que sou de um bem ou de uma revelação que devo estar apta a transmitir a outros.
Tanto para registar o que me ocorre desta forma como o que escolho e teço com o meu corpo e alguma técnica, como ainda aquilo em que faço interpenetrar uns pensamentos e os outros das duas origens, elaborando o texto, tenho de ganhar distância. Não devo estar envolvida de muito perto no que conto.
E escrevo na presunção de que o que conto e de que falo, seja o que for e qualquer que seja a sua origem, poderá interessar quem o ler. Ou não, dependendo mais da forma como está concebido e inscrito do que do acontecimento.
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