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Recordo com saudade alguns períodos de férias que apreciei muito, há muitos anos. Sempre em lugares da província nortenha.
Nunca incluíram grandes viagens para lugares exóticos nem de aparato nem de extravagância. Eram sítios a poucos quilómetros desta cidade do Porto, para onde íamos de carro por estradas sinuosas ou de comboio, de camioneta talvez também. Qualquer coisa diferente da rotina diária era tão importante naquele tempo como agora.
Lembro-me de um lugar de que gostei particularmente, algures nas margens do rio Vouga. Por alguma razão, a história me lembra a da Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, a sua linguagem poética de novo estilo (renascentista, foi escrita em mil quinhentos e pouco), diria que retrata emoções ternas e puras e a saudade de um certo estilo de vida simples, pastoril, bucólico e um pouco triste.
Porém, a crónica nada tinha a ver comigo, já que eu nunca ali estive triste: a minha história não era essa, não seria esse o tema. O que me animava era o estilo de vida próximo da natureza, gozando-a, admirando-a; talvez ambicionasse ser pastora e estar todo o dia “lá fora” na contemplação. Escreveria doces poemas que falassem não do pastor mas do rebanho, dos montes e dos vales, dos rios, das brisas matinais e do céu azul ou cor-de-rosa ou alaranjado. Era o mundo que eu queria compreender.
Fiquei em casa de uns tios simpáticos cujas filhas eram muito mais novas do que eu e com quem aparentemente me seria difícil confraternizar. Mas confraternizava. E lia muito. O Tio tinha uma boa biblioteca e emprestava-me livros que a Tia achava que não eram próprios para a minha idade. Ouvia-os discutir e divertia-me. O que apreciava era que se interessassem por mim de forma tão saudável.
Tudo serviu para enriquecer intelectualmente e moralmente a minha formação. Como lhes agradeço!
A Tia pedia-me ajuda para pequenos trabalhos próprios da época, fim do Verão, como a confecção da marmelada ali executada religiosamente segundo a tradição. Era um ritual. Os marmelos depois de descascados e cozidos eram passados numa peneira fina. O polme obtido voltava a cozer com o mesmo peso de açúcar e era mexido regularmente, atentamente, sob pena de ser todo queimado e dramaticamente danificado sem remédio.
Um dia, ouvi a Tia explicar para uma amiga de que modo “o serviço de menina é pouco, mas quem o rejeita é louco” apontando para mim, referindo-se ao meu trabalho com a peneira. Fiquei desvanecida e enchi-me de sorrisos.
Passeava e brincava com as muito jovens primas como se esse fosse o meu maior anseio. Acho que tinha imaginação suficiente para inventar o que fazer proveitoso para todas. Só recordo uma asneira: um dia destes conto, sei que não têm muita paciência para me ouvir.
Faço uma minúscula descrição do lugar, oh pouca coisa! Era uma pequena casa de traça popular, quintal e árvores de fruto, o rio ao fundo. Trepava às àrvores, logo de manhã - eram pessegueiros, e comia os frutos, aquela frescura sumarenta não excessivamente doce, directamente, selvaticamente, isto é, sem cerimónias. Uma delícia!
Porém, nada como o fim do dia para me dar melhores motivos de satisfação. Saíamos todos depois do jantar e passeávamos tranquilamente por ali, sem qualquer constrangimento, perto da hora do pôr-do-sol, sentindo profundamente o encanto do momento que apenas se repetiria no dia seguinte, talvez em todos os dias seguintes - que poucos seriam - com alguns encontros amenos e saudações de amigos e vizinhos .
Não era ainda noite, já não era dia. Havia a luz crepuscular, acolhedora, magnífica… não havia a preocupação das tarefas do dia. Talvez o que nos alegrasse fosse a antecipação do que era nosso desejo que acontecesse a seguir, quero dizer, no futuro, o que chamam o momento mágico. Ou do fascinante aparecimento das estrelas e do luar?
Porventura, tivéssemos ganho coragem para deixar correr… sem quaisquer encorajamentos. E isso, era tão silencioso!
Sei que aqueles dias foram para mim um aperfeiçoamento excepcional - aproximação à natureza e à cultura, à vida.
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