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O sorriso do Gato Cheshire

por Zilda Cardoso, em 28.02.14

Tenho andado por aí a semear sorrisos - sem grande resultado. Se bem que a princípio o fizesse com muita convicção, o desfecho nunca foi o esperado.

Os amigos tinham-me recomendado: sorri, sorri… semeia, semeia... E eu…

Sorrir é bom, diziam-me, e muito conveniente, além de agradável.

Sorrir parecia então prometedor, mas já não tenho a certeza: fartei-me de semear e nada nasceu nem mesmo em tempo de chuva e temperatura primaveril.

Então qual o interesse em continuar…?

 

Possivelmente, percebi mal e os sorrisos não eram para derramar/propagar nem, por conseguinte, para nascer, crescer e multiplicar-se. Seriam para condimentar, espécie de especiaria cheia de propriedades terapêuticas, perfumada e colorida, chegada da Índia na última Caravela dos Descobridores. Para melhorar o sabor de qualquer coisa que eu oferecesse. Ou para aperfeiçoar a receptividade ao que apresentasse ou me fosse apresentado.

De qualquer modo, hoje, não encontro nada que se pareça com o que pretendo ter semeado.

Vejam, eu julgava...

Mas não sei por que me obstino em pensar no tema já que reconheço que só têm valor e verdade dois tipos de sorrisos impossíveis de encontrar a não ser em fantasias compulsivas.

Na minha vida, calculava ter visto pelo menos um: o meu já antigo. Inalterado. Ao espelho. 

Estava redondamente enganada. Nem esse vi. Não existe!

 

Os sorrisos verdadeiros, os que vale a pena considerar, são os das personagens de autores tão importantes como Tolstoi ou Agustina. Isto é uma constatação!

Ou o do gato Cheshire. O gato desaparece e o seu sorriso fica no ar (ou nos ramos?) por muito tempo onde antes estava, no mesmo lugar, na cara do gato. Mas daí a pouco, reaparece o gato, ele e o sorriso, para repetir a façanha de desaparecer e aparecer, desaparecer e aparecer, não sem antes ter conversado com a sua amiga Alice.

Adoro aqueles dois, o gato e o sorriso que ambos povoam a minha imaginação desde que os vi pela primeira vez, há milhares de anos, no País das Maravilhas.

Aparecer sorridente e desaparecer deixando lá o sorriso… não posso imaginar nada mais fantasioso e inteligente.

Do mesmo modo, apreciaria que o meu sorrir se prolongasse no tempo e na memória de quem o visse como o dessas personagens importantes. Se eu fosse viva como elas e marcante, ele, a existir, duraria pelo infinito fora. Ou desapareceria e reapareceria como o do gato da amizade da Alice.

 

As grandes personagens, mesmo as de Proust, quando sorriem é para todo o sempre ou para muito muito tempo. As pessoas não se esquecem de como é belo e inspirador, recordam-no.

Se eu fosse personagem de ficção nem precisava de estar satisfeita comigo nem com o mundo para sorrir; não precisava de ter o mundo a meus pés nem sequer ao meu redor.

Sorriria, fosse pelo que fosse (incluindo todas as intenções) e toda a gente estaria feliz, imitar-me-ia com prazer.

Oh! Seríamos todos felizes como os príncipes, as princesas e as fadas dos contos de outros tempos.

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publicado às 21:58


17 comentários

De Isabel Maia Jácome a 01.03.2014 às 01:09

...que contagiante sorriso de palavras, Zilda... que também permanecem e ficam... ficam...ficam. E é bom, acredite. Faz-me bem o seu sorriso.
Obrigada, minha amiga.
sempre,
Isabel

De Zilda Cardoso a 01.03.2014 às 07:16

Muito obrigada, Isabel! Espero que esteja bem e activa.

De Isabel Maia Jácome a 04.03.2014 às 14:39

Querida Zilda,
Bem, sim, obrigada... e sempre com muito, muito trabalho e muita vontade de continuar activa e a procurar fazer sempre, da melhor forma possível... crescendo o possível, nesta constante procura.
Um abraço bem forte e carregadinho de ternura,
sempre,
Isabel Maia Jácome

De Zilda Cardoso a 04.03.2014 às 15:17

Como vão os seus pais?

De Veramaria a 01.03.2014 às 18:50

Olá, boa tarde!

Que belo texto! Tem fantasia e é mágico... Como são mágicos todos os sorrisos! Sejam verdadeiros ou trazidos de um sonho bom!
Gosto de sorrir, fico bem e o dia corre melhor!
Veramaria

De Anónimo a 01.03.2014 às 19:07


Caríssima Zilda

Se leu o"Diário" de Etty Hillesum, judia á espera do embarque para Auschwitz, donde não regressaria, sabe já em que circunstâncias inimagináveis é possivel continuar a sorrir e a insistir em como a vida é bela, mesmo fora dos contos de fadas!
É o que estou certo de que vou continuar a encontrar na sua escrita.
José de Sousa Pinto

De Zilda Cardoso a 04.03.2014 às 18:55

Não sei se a vida é bela, José. O que é que dá beleza à vida?
Sorrir é sinal de felicidade? O que é que nos faz sorrir? Há muitas interrogações.
Mas continuarei a sorrir...

De Joana Freudenthal a 02.03.2014 às 01:14

Pode ser que o seu sorriso seja a única coisa boa que um desconhecido recebe naquele dia. E só por isso já vale a pena...

Abraço quentinho.

De Zilda Cardoso a 02.03.2014 às 08:22

Muito obrigada pelos vossos comentários - Joana, Isabel, Veramaria, José... É só pelas v/palavras que afinal vale a pena continuar a sorrir.
E as amendoeiras em flor? Tão bonita viagem... Ficou adiada, Joana? Lembro-me de ir uma vez com o m/filho J. ,que conhecia bem os sítios onde as havia desde quando o seu trabalho se fazia em parte por ali, e me proporcionou um dos dias mais felizes dessa Primavera Feliz. Mas parece que é tolice querer repetir essas coisas. Recordo aquelas revoadas de minúsculas flores cor de rosa, mais claras, mais escuras, e brancas outras... tantas tantas. Procurei mais tarde no Algarve e não vi nada semelhante.
É preciso conhecer os sítios certos e os lugares certos. Só com ele.

De Joana Freudenthal a 02.03.2014 às 17:53

Parece que ficou adiada, sim, Zilda. Há de chegar a minha vez.

Abraço de parabéns pelo nosso P.

De Zilda Cardoso a 03.03.2014 às 13:11

ue pena, Joana.

De Anónimo a 04.03.2014 às 15:47

Zilda!


Esse gato é o personagem mais fascinante do meu imaginário! Mas nunca acreditei muito na sinceridade do sorriso dele! Vejo-o como um assunto a ser tratado pelo Freud ou o Jung. Um sorriso que permanece pendurado numa árvore, quando o seu dono já desapareceu e foi não sabemos para onde, é de desconfiar. De resto, todos os sorrisos são de desconfiar, pensando bem. Eles escondem muito mais do que revelam. Veja o da Mona Lisa, o da Joana D'Arc, o da Salomé.... Só haverá sorrisos de mulheres? O gato de Cheshire seria uma gata?
Não sorria muito, é o meu conselho.
Bj.
Mónica

De Zilda Cardoso a 04.03.2014 às 18:46

Todos os sorrisos são de desconfiar!? Todos? Não acredito. Não haverá alguns francamente francos?
Acha então que não vale a pena sorrir muito. Está bem, nisso estou de acordo consigo. De resto, mesmo o sorriso que fica no ar sem qualquer suporte físico desaparece. O que fica é nada.
Não vale o esforço.

De Vicente a 04.03.2014 às 17:39

Olá Zilda,

Um sorriso não tira o sofrimento, mas alivia a dor. E o seu sorriso é muito bonito e tranquilo.

Vicente

De Zilda Cardoso a 04.03.2014 às 18:48

Muito obrigada, Vicente.
Alivia a dor? Dos outros?

De Vicente a 04.03.2014 às 18:51

Sim, dos outros e quando nos sorriem e precisamos de doçura é um bálsamo para o coração.

De Zilda Cardoso a 05.03.2014 às 17:51

ou passar a sorrir mais... por amor dos outros. Obrigada por me lembrar que é isso o mínimo que podemos fazer por eles. Que é o que nos importa, já que a felicidade dos outros é a nossa.
V

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