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O fino perfil de madeira do meu barco/prancha subia e descia, subia e descia... passava acima e abaixo do longínquo horizonte, deixando, de cada vez, aparecer a ilha misteriosa. Ou fazendo-a desaparecer.
E a vela levantada para o céu, branca e elegante como uma mulher de ERTÉ, assomava e recolhia-se, no passo seguinte, no brilho e no movimento das águas do Indico, cujas ondas não eram ondas, mas apenas um dinamismo próprio e apropriado ao sossego do lugar.
A música, bem a oiço, é dos pássaros que agora fazem os seus ninhos e se passeiam pelas palmeiras finas, pelos coqueiros e por muitas outras árvores e arbustos floridos de belas cores suaves. O sol é ameno, o vento sopra forte e tépido.
A vela branca ou a mulher de Erté continua a erguer-se e a recolher-se acima e abaixo do horizonte e o meu barco, onde ela pousa, é pequeno e fino. Apenas um homem moreno ou o seu perfil, recortado num material escuro, aparece constantemente ligado à vela, não a deixando afastar-se.
A ilha avizinha-se da minha prancha e depois foge para longe antes de ser tocada, mantendo a mesma face voltada para mim. Não sei por que não quer ser tocada - é deserta e feia, com algo sensual no seu recorte. Mas fiz-lhe a vontade, pois ela é poderosa e a minha pequena prancha está presa nas pedras, não tem poder. Apenas sobe e desce ao sabor da ondulação e dos barcos que passam e da imaginação que flui.
Aquela ilha tinha o que quer que fosse escondido do lado de lá, tal como a Lua, e só mostrava a frente como se fosse uma superfície, a parte externa de si. Mas calculo que tivesse três dimensões, não verifiquei.
Preferi levantar-me e passear na borda.
Foi então que um insecto de belas asas amarelas, pisado por mim, me picou e me injectou o seu veneno com toda a fúria de que foi capaz.
A dor foi intensa e recíproca e decerto durou horas.
Voltei ao quarto, no primeiro andar da casa que ocupo no jardim do Paradise Cove, desenhada segundo o modelo tradicional na Ilha Maurícia e construída e decorada com materiais do PaÍs, tanto quanto possível: a pedra volcânica e provavelmente a madeira, os tapetes artesanais, talvez os candeeiros e com certeza a pintura de paredes e portas.
Está muito agradável e eu deitei-me para descansar da violência da picada.
De súbito, o ruido de um helicóptero a aterrar ali mesmo no jardim destruiu toda aquela imagem e a minha escrita, isto é, a minha realidade. Durante um quarto de hora aterraram e levantaram helicópteros ou só um helicóptero, vá lá, pintado de branco, de azul, ou de vermelho.
Receei que fosse para o dia todo e comecei a gostar de ver e sentir este insecto ao longe e no alto, picando-me doutro modo, mais forte ainda que o outro e sem que tivesse remédio para este.
Comecei a pensar se não era melhor gostar de sentir o insecto ao longe e no alto, ainda que sem remédio para ele, que amenizasse a sua picada.
Que picadas surpreendentes!
(Outra recordação da Ilha Maurícia)
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