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Legitimo assim A Minha Varanda....

por Zilda Cardoso, em 24.07.21

Tenho falado tanto dela que quem me lê tem direito a pensar que é uma varanda diferente de todas as varandas do mundo inteiro. Na verdade, é pelo menos igual às outras vinte desta casa.

Mas ninguém acreditaria nisto.

A minha varanda é distinta porque cada dia coloco ali quase tudo o que possuo. Ou tudo. Tudo o que sou, o que penso, o que disse, o que vou dizer… O que já descobri, o que tenho a esperança de ainda descobrir…

Há cactos terrivelmente picantes. A minha pele das mãos atrai-os como íman e, a cada passo, a conselho do médico, esfrego-as uma contra a outra com areia da praia e é possível que os picos saiam. Em geral, ando neste exercício confrangedor todos os dias de uma semana.

No canto, há uma trepadeira única com cento e vinte corações verdes, cheios e bem recortados, perfeitos; e que ainda não deu flor este ano. Prometeu-me, no entanto, oferecer daqui a uma ou duas semanas alguns dos seus pequeníssimos ramos de flores cor de rosa primorosamente aveludados.

Reparo que há vasos de trevos de três folhas e vários tamanhos e cores que crescem e se atiram para cima das outras plantas aconchegadas nos seus limites e estão tão bem que já este ano encontrei três trevos de quatro folhas, o que parece ser raríssimo e, portanto, sinal de sorte para o achador.

Há maravilhosos jacintos que ficaram dos outros anos-

A novidade hoje é um vaso de manjerico miudinho e muito cheiroso que trouxe da Casa da Eira. Inunda o sítio de belo perfume, nitidamente verde claro, a ponto de fazer esquecer outros aromas.

Não posso regá-los mais a miude como gostaria porque qualquer pingo de água a mais cairá na e da varanda e o simpático vizinho sofrerá com isso.

Não quero, mas às vezes parece-me ocasião de cantar o fado, aqui é talvez o bom ambiente. Acho que se ouviria no Terminal de Cruzeiros e na Avenida e talvez no Mar… Os pescadores… como reagiriam os pescadores ao fado da varanda? E à varanda do fado? Não arrisco.

O fado nunca é divertido, canta e conta todos os reveses possíveis e sem remédio. Não dá solução a nada nem pouco mais ou menos.

Não cantaria o fado, que ideia! Mas faria de boamente parte de um «coro de silêncios» (adoro a ideia deste tipo de coro que não sei quem inventou, mas que calculo dê bom resultado).

Há muitos dias de sol aberto: não são estes. Devo esperar por eles com catadupas de esperança dado que é Verão (se isto quer dizer alguma coisa…?!). Este espaço, e é essa uma das suas vantagens, permite tudo. Abrange 180º, metade do mundo que conheço!

Vejo esta metade e calculo a outra, a que está escondida por baixo dos meus pés e das bases ignoradas desta casa.

Penso…

Que quererá ocultar este nevoeiro? É demasiado persistente, há segredos a mais. Por isso, talvez eu tenha razão para pensar neste enigma desde há anos. A que propósito me encontro no lugar, tão ignorante das razões da minha existência como no primeiro dia, aquele em que decidi refletir seriamente sobre isto? Ou tão ignorante como no dia em que nasci? Continuo, no entanto, a interrogar-me como se, a partir da minha ingenuidade e desconhecimento, fosse ainda possível encontrar a resposta que os génios não encontraram, ainda.

Sendo certo que é a interrogação que nos permite expor, ir mais longe; que nos tem permitido evoluir e criar a religião, a filosofia, a arte, a ciência… todos saberes incompletos que vem sendo necessário actualizar cada vez mais frequentemente.

Finalmente, será para isso que estamos aqui. Será isto o viver, não é descobrir: é tentar. É actualizar, é não desistir. E justifico assim não apenas a minha existência mas a existência da minha varanda.

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publicado às 20:20


2 comentários

De VF a 08.08.2021 às 20:33

Embora igual às outras varandas, essa é diferente. Nela vive uma pessoa atenta, sensível, culta que cria diálogos com o mar, com o céu, com o vento, com as árvores, com os pássaros, enfim com o mundo...pintando-os com palavras em telas de elevada beleza e de composição irrepreensivel...!

De Zilda Cardoso a 20.08.2021 às 08:37

São palavras muito agradáveis que agradeço.
Espero merecê-las.
ZC

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