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Dentro, não acontecia nada.
Saí.
Caminhei pela Avenida para sul, o sol nas costas. Tirei o casaco.
Procurei. Podia ser, similarmente, um bom propósito fotografar, se a minha máquina não se tivesse recusado como acontece em momentos-chave. Corri para casa, donde – da minha redoma – tentei com outra camera fazer uma imagem que desse uma ideia mesmo pálida do que estava a acontecer… fora.
Não foi possível, o sol bateu-me em cheio e cegou-me.
Pouco depois, da cognominada redoma, olhei o lá-fora, apesar de tudo, e como valendo a pena. Fui assaltada pela lembrança das ocasiões, ultimamente frequentes, em que me inclino para a esquerda, se bem que pareça estar na vertical sobre os dois pés e caminhando. Obliquo para a esquerda, endireito-me, volto a descair para a esquerda, endireito-me… Não compreendo e não quero e persisto no meu caminho, agora aprumada.
Daí a pouco, regresso à esquisita inclinação-sem-intenção e penso que só pode ser a Terra a inclinar-se mais do que o costume, sempre a vejo com um animado pendor à esquerda, o seu forte eixo de rotação bem em diagonal,
com um ângulo considerável em relação ao plano da eclítica, a sua órbita.
Que admira que descaisse para a esquerda, uma vez que estava nela?
Não pude deixar de considerar surpreendente e, de certo modo, confuso, não ver alguém mais com essa tendência: era dentro de mim que alguma coisa afinal sucedia, não tinha percebido.
Se todos se pusessem a tombar para a esquerda, depois se endireitassem, arriscassem para a direita e voltassem a tentar para a esquerda… poderia ser uma dança divertida e dinâmica… funk… com piruetas atléticas pelo meio e hip hop music de fundo, the hottest songs. Talvez o Michael Jackson aparecesse a dirigir o bando e eu votaria a favor com a imensa plateia de avenida a aplaudir.
Todavia os outros não experimentavam, isto era perfeitamente visível, e eu não tive, vi que não teria, possibilidade de trocar olhares cúmplices com qualquer deles.
Não havia nenhum mal-entendido nisto, devo acrescentar, eles estavam talvez “a usar a sua existência”, simplesmente. Para mim, era com destemor e serenidade que avançavam no seu trilho hirtos, perpendiculares ao pavimento, ou à sua trajectória própria e eu...
Interrompi rapidamente a minha fantasia e concepção da dança de rua com ritmo inaudível.. street dance, rap, breaking...
E lá de cima, pensei que era certo que alguma coisa se passava dentro de mim, não sabia o quê, mas actuando a meu favor. E talvez fora de mim: circunstâncias climáticas, esta posição em relação ao plano da órbita da Terra, a proximidade do Mar, a ausência de montanhas solitárias que me perturbassem – gostava disso assim, plano e azul, com brilhos intensos na água azeviche. E tinha-o.
Mesmo sem fotografia.
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