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Em dias como este, duvido que o mar resida próximo de mim. Parte do dia, não o vejo. Ouço um pequeno ruido que presumo seja o do seu movimento antes constante. E há um cheiro forte a mexilhão e a algas verdes a apodrecer.
Uma neblina é o que avisto no lugar onde ele era.
Estas incertezas e disfarces densos, mais ou menos duradouros, quase diários, ultimamente, vão-me arrasando. Não estou segura sequer do lugar nem das coisas nem das pessoas se, um dia, estão e são, e, no seguinte, desapareceram.
Com que me hei-de relacionar? E como posso sentir-me feliz ou infeliz? Numa peça de teatro há mais segurança quanto à verdade dos episódios; os factos aqui são fugidios, fluidos, húmidos, de cor neutra e sem graça.
A gente da praia deixou a praia, vestiu as camisolas ou foi embora desprotegida desde que foi verificado que não há nem vai haver de certeza sol para apanhar. As pessoas estão em silêncio, coladas no fundo do cenário, quietas, dominadas pelo relento melancólico, pelo cheiro, pelo peso do cinzento sem cor.
Apenas as gaivotas continuam como se nada fosse ou eu não vejo o que as faz mover contra a corrente, rentes ao chão, sobre as rochas metamórficas. Uma grande parte, as mais velhas, aproveitam para uma reunião política destinada a resolver como curar o mundo. São eficientes e apreciam tomar a iniciativa. Também se zangam muito.
Algumas pessoas estão deitadas por debaixo dos guarda-sóis, o que é, pelo menos, bizarro. Estavam programadas para passarem o dia a apanhar sol e sabemos como é trabalhoso mudar de ideias e de programa. Contemplo no seu rosto um ar de regresso para nenhum lado, como se não conhecessem ninguém no mundo para acolhê-las.
Sento-me no banco corrido para escrever, enfrentando o inevitável.
Então, sem abrir o sol, começa o ar a aquecer e as pessoas que já não têm experiência de como proceder, nestes casos, olham entre si procurando alguma cumplicidade. Na sequência, deslizam algumas para fora, já que não têm grandes expectativas, outras vão ficando.
Com que palavras, posso descrever esta confusão de que ninguém me ajuda a sair? Gostaria de recuperar alguma coisa agradável - ideia, significado, imagem… característica de um último dia de Agosto de Verão, domingo e, para muitos, fim de férias.
O meu desejo de sol aberto aliado às aspirações de todos os que aqui ficaram será suficiente para fazer ascender o nosso pedido ao lugar onde estas súplicas podem ser atendidas?
Aí está. Aconteceu o inacreditável: o sol abriu e iluminou a bela cidade.
Por um ténue momento.
(Esta é a realidade do sítio que os turistas passaram a estimar para as suas férias acessíveis).
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