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Muito nova experiência para mim, mas no fundo fui muito protegida como turista, se bem que nem qualquer turista queira arriscar-se a fazer uma experiência semelhante.
Fomos até Manaus de avião e depois da carro e de barco até à ilha de Silves onde se situava uma pousada confortável, redonda, no meio de uma planície. Da varanda do quarto, via o rio Urubu, afluente do Amazonas e o lago Canaçais – água, água, água e árvores muito verdes. E toda a fulgurância da sua copiosa frescura.
Tivemos alguns dias cheios de acontecimentos emocionantes, mas previstos com mínimas excepções, e muito sumo de frutas para nós exóticas que nos eram servidas frescas a cada passo, durante o dia.
Extraprograma turístico, todas as manhãs havia uma saudação especial para os raríssimos visitantes de um pássaro que nunca chegamos a ver. Muito depois de regressar a casa, ouvia aquele canto matinal acolhedor e tão apelativo, ouvi-o durante anos.
A primeira excursão foi uma pescaria à linha no grande rio, num barco minúsculo com dois guias ou piloteiros que nos aparelharam o isco e nos colocaram nas mãos a cana preparada. O isco eram pedaços de carne muito ensanguentada e, é claro, eu pesquei facilmente umas horrorosas piranhas que não quis provar embora nessa tarde tivessem sido cozinhadas para nós na pousada. Aquelas piranhas e todas as piranhas estão para nós carregadas de significados acabrunhantes, sentir-me-ia meio-antropófaga.
Passeamos na floresta seguindo sempre os guias que nos ensinaram a preparar camas frescas e agradáveis de folhas entrançadas para descansar de emoções, e a usar os liames das árvores para ir de um lugar para outro ou de uma árvore para outra à Tarzan.
As árvores eram muito altas e esguias, as copas só se enxergavam virando o olhar para o céu lá bem alto e muito pouco se via o céu. De modo que mal penetramos na floresta, senti o ar húmido e quente e parecia-me não poder respirar.
Fiquei esmagada por tanta grandeza, mas ao apreciar o delicioso sumo e as iguarias do piquenique que os guias levavam, regalada nas camas entrançadas, voltei ao meu mundo.
Ouvi os gritos dos macacos selvagens no alto das árvores e decidimos abandonar a floresta não sem um susto muito apimentador. Vi o olhar de pânico de um dos guias e perguntei o que tinha acontecido. Ele respondeu que eu quase pisara uma cobra escondida sob a folhagem acastanhada. É evidente que não me tinha apercebido e quando soube já não era tempo de me perturbar.
Passeamos de lancha pelo rio, junto das suas belíssimas margens e não nos demos conta dos cortiços de abelhas ou de vespas pendurados nos ramos sobre a água. Toquei nelas inadvertidamente ao passar e elas aproveitaram para se atirarem como loucas à minha cabeça, enredaram-se nos cabelos compridos e lançaram o pânico no grupo. Podia ter terminado em tragédia, mas estávamos protegidos pelos deuses.
Os guias pareciam assustar-se muito, mas arriscavam e levavam-nos a arriscar: era o nosso impulso para o desconhecido que eles estavam encarregados de levemente estimular.
O safari aos jacarés foi o cume destes dias de aventura. Teve que ser escolhida uma noite escura como breu e silenciosa, não serve qualquer noite. E foi brilhante: o barco era uma casquinha, superlotado com dois guias e nós dois. Demoraram a aparecer aqueles pares de olhos enormes, letárgicos, dourados e brilhantes. Os guias viram-nos e com ajuda de uma corda paralisaram-nos para os fotografarmos. Depois largaram-nos e nós ficámos em silêncio a pensar na cena que podia ser funesta, mais uma vez. Era questão de o jacaré estar maldisposto. Ou ouvir algum ruido inquietante.
Não tive medo nem consciência do perigo. O que melhor recordo são as pedras douradas, aqueles olhos reluzentes, enormes e decerto estupefactos. Ou em êxtase. Podiam ter 15 metros de comprimento e bastava-lhes um certo movimento da cauda para nos virarem o barco e irmos rapidamente à água. E lhes servirmos de refeição semanal.
Os lagos são um esplendor com as victorias regias enormes que suportam 40 quilos sobre elas, se bem distribuído o peso pela sua superfície que pode atingir 2,5 metros de diâmetro. As flores podem ser brancas, ou rosa, lilases, roxa ou amarelas, abrem e fecham a certas horas e são uma espécie de lírios ou nenúfares de água, muito perfumados, típicos de águas pouco profundas.
Uma desilusão para mim foi não ver pássaros, vi muito poucos entre as mil e novecentas espécies que dizem existir por ali. Soube que não era boa época para os observar. Teria que voltar na Primavera, havia inúmeras excursões a partir da Europa na época da nidificação exclusivamente para ver e fotografar os nomeados pássaros. Então era um deslumbramento. Calculo bem que sim, que tolice a minha, não tinha pensado nisso. Na verdade, tinha ido mais pelos pássaros, para desmitificar o sítio.
Porém, vejam, visitámos a ilha dos Pássaros, convivemos com nativos sobretudo com crianças que nos rodearam, pedindo rebuçados. Havia onde os comprar porque já era tradição oferecê-los aos miúdos. E manuseámos e adquirimos belas peças de artesanato de ornamento que me deixaram enfeitiçada – colares, pentes e pinturas em casca de árvore realizadas com tintas naturais.
E, tal como noutros lugares, contemplamos da nossa varanda, barquinhos compridos que passavam para o mercado com legumes maravilhosamente coloridos e frescos, dispostos no fundo do barco como obra de arte.
Perseguimos ilusões, espreitamos desejos. Regressamos muito outros.
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