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Esperança de entendimento

por Zilda Cardoso, em 21.03.21

 

Pensa-se muitas vezes que aquele que está só, não pode estar feliz porque sente a solidão como desamparo. Mas não é necessariamente assim.

Acontece que estou muitas vezes só e perfeitamente bem.

Sei que não estou abandonada, o que me levaria a um estado de mágoa e descontentamento.

Porém, há ocasiões em que simplesmente quero estar só.  Necessito em absoluto disso, periodicamente, por temperamento, ou por circunstâncias de ordem social. Ou por força do trabalho que estou a realizar.

De qualquer modo e, mesmo neste último caso, não desejo estar só que não seja por tempo determinado e curto. O necessário. Ou cairia no receio da espécie de solidão que não pretendo.

Quero dizer, se não abandonei nem me abandonaram – não há razão para solidão e tristeza. Só que o trabalho é exigente, preenche-nos, queremos entregar-nos inteiramente a ele. E isso apenas é possível em silêncio e solidão.

Verdadeiramente, um escritor moderno, tal como o pintor abstracto, pretende e sonha criar uma linguagem nova, o que torna o seu trabalho difícil. Não se trata para ele de contar uma história – as histórias estão todas de há muito contadas.

É que o material que usa nas suas criações é o mesmo que toda a comunidade utiliza, é a língua que foi construída para que as pessoas comunicassem entre si e, portanto, todos conhecerão o código.

Se o escritor criativo deturpa a língua e assim escreve, ela torna-se indecifrável, não comunica. Ele apenas deturpou a língua, criou talvez uma língua nova, mas...

Será esse o seu prazer e o seu trabalho, a sua justificação.  

Apesar de tudo, ele quer comunicar qualquer coisa que se acorde com a sua visão de um mundo desordenado e incompreensível que é o seu, no seu tempo, um mundo provavelmente em crise. E que decerto mostre mudança de mentalidades.

Como usar uma língua velha e conhecida que participa de uma cultura ancestral para uma escrita que só pode interessar se for uma linguagem fresca numa língua nova logo modificada, modernizada, deturpada?

Será um trabalho difícil e ambicioso que exige concentração, solidão e silêncio. Interior e exterior.

Irá surgir uma nova escrita pos-covid 19 que conservará um vago sentido conhecido que será um reflexo, uma recordação do antigo código da língua. Talvez com subentendidos e metáforas.

Haverá também um esforço de compreensão do leitor/conhecedor.

Chegaremos a compreender se nos esforçarmos.

É uma esperança de entendimento.

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publicado às 17:20


2 comentários

De Yolanda Freitas a 21.03.2021 às 19:06

Cara Z
Concordo...com quase tudo.
...não acredito que as histórias estejam todas contadas.
...a mudança das mentalidades, vai precisar de muito mais que problemas e crises. Talvez mais uma meia dúzia de gerações ...
... acredito sim que, não pelo "pós-covid" mas pelo abrandamento imposto pelos confinamentos , haja quem vá ter oportunidade de pensar (qualidade quase em vias de extinção) e por isso possam surgir antigas formas de comunicar.
Quanto á sua frase " chegaremos a compreender se nos esforçarmos" bato palmas. Mas, foi assim sempre. E com tudo na vida. Apenas resulta, se nos esforçarmos.
A esperança esteja connosco.

Sua admiradora
Yo

De Zilda Cardoso a 24.03.2021 às 15:09

Muito obrigada pelo seu comentário sempre oportuno.
Não compreendi muito bem...terá que voltar ao assunto!
Acha que apos meia dúzia de gerações... será sempre pos-covid.... vamos mudar de mentalidade? Que é isso? Pode dizer-se que precisamos para pensar.de problemas e crises que provocam a necessidade de confinamentos. Mas sempre tivemos oportunidade de pensar , só que tínhamos coisas mais importantes para fazer, como cantar e dançar. que são fundamentais para o bem-estar do corpo e do espírito. Além disso, não havia necessidade... Sempre houve gente de mais a pensar. Sai cada burrice!
Há no entanto uma coisa sobre que não tenho qualquer dúvida, é que as histórias estejam todas contadas.
Por mais que me esforce e pense... continuo a achar que estão. Todas contadas, pelo menos, desde os Gregos. Que também já recontavam, embora....

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