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Eis a questão: pensar ou não pensar

por Zilda Cardoso, em 18.11.16

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Costumamos dizer e ouvir dizer que pensar dá muito trabalho, e que as pessoas em geral não gostam de pensar. Assim não apreciam ler porque ler dá que pensar. Preferem procurar entender a imagem: é mais simples e divertido. Daí o êxito do cinema, da televisão, dos cartazes, da banda desenhada…

Porém, o que dá mais trabalho e é difícil, verdadeiramente sério, é não pensar. É fácil verificar isto. Não podemos estar sem pensar, não nos é permitido parar de pensar nem neste momento nem por um momento. Isto é um dado adquirido.

No entanto, e é esta a novidade, ultimamente tenho conseguido parar de pensar por tempo que não sei bem definir. É verdade que não posso garantir que não estive a pensar nesse tempo em branco, não posso, mas também não garanto que estive a pensar. É um tempo em branco em que não me lembro de nada, de absolutamente nada de como passa. O que sei desse tempo e, portanto, não é assim tão indefinido, é que passou, passou e posso verificar (no relógio, nos astros…). Mas se não recordo absolutamente nada do que poderia ter estado a pensar, então é como se não tivesse estado a pensar. É exactamente o mesmo. É nada.

Se não olho e não vejo, se não sinto nada – não cheiro, não tateio, não saboreio, não ouço - não posso dizer que isso existe. Não posso dizer que o mundo existe se nenhum dos meus sentidos me diz que existe. A menos que eu não exista, e isso é delicado dizer.

Todavia, pensar é decerto o que fazemos mais, não digo melhor. Digo com mais frequência. E, por mim, gosto de o fazer. O que será difícil é viver doutra maneira porque será não-viver. Como poderei ter a certeza de que existo se não pensar, se me mantiver por longo tempo sem pensar? Pelo menos, durante esse tempo, não existo, é o que julgo. Não sei se me interessa ter a certeza de que existo.

É-me muito difícil pensar que existo até ao momento em que deixo de pensar, e voltar a pensar que existo no momento em que recomeço a pensar. E não existir durante aquele período vazio. Um dia destes vai acontecer que não recomeço.

Deste modo, acho que não pensar é bem mais complicado do que pensar. Não pensar é cheio de consequências desagradáveis. Prefiro pensar e saber onde me encontro, mesmo que não saiba para quê.

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publicado às 09:48


4 comentários

De Victor a 20.11.2016 às 11:22

...continue assim...sempre a pensar...sem intervalos.
Pensar faz-nos sentir vivos. De outro modo, para que servia a "razão"...?
Senão vejamos:
Na história da literatura, houve muitos escritores que bebiam demais – e basta ler o livro de Hemigway "Paris É Uma Festa" para perceber que a festa incluía mesmo muito álcool. Os poetas simbolistas eram valentes bebedores de absinto – Rimbaud, ao que parece combinava-o com outras substâncias – e bebiam-no às cinco em ponto como se fosse chá. Scott Fitzgerald era alcoólico, o que afetou a sua produção literária. Faulkner tinha a febre das apostas em corridas de cavalos – e muitos outros autores gostavam do jogo (Dostoievski, evidentemente..!). O cigarrinho também esteve muitas vezes na mesma mão que segurava a caneta. Henry Miller, Octavio Paz e muitos, muitos outros. Se os ajudaram a escrever o que escreveram – e acredito que sim – vivam os maus hábitos…!
No entanto, duvido que alguma vez deixassem de pensar. Só pelo facto de pensar em deixar de pensar, já se pensa muito e profundamente.
Invejo-a pela "ousadia" de pensar em não pensar...!

De Zilda Cardoso a 20.11.2016 às 18:41

Victor
Assustei-me ao ler o seu comentário: detecta-se alguma semelhança entre o meu estilo de vida e o do Hemingway?
Pois, é verdade, pensar faz-nos sentir vivos. E não pensar? Já experimentou?
Gosto de experiências difíceis. Continuarei a tentar não pensar.
Muito obrigada pela atenção às minhas tentativas.
Abraço
ZM

De Anónimo a 20.11.2016 às 20:22

...o que quis dizer ao citar vários "maus hábitos" de alguns escritores que muito admiro, foi que, mesmo assim, nos premiaram com o seu talento...!
Deixar de pensar...pode ser, também, um mau hábito mas se, por provocação, aguçar a nossa criatividade, mesmo criando "espaços vazios", porque não.
Vou tentar essa experiência complicada.
Obrigado por me desafiar...!

De Zilda Cardoso a 21.11.2016 às 17:32

Agradeço o seu interesse. Ainda bem que aceita o desafio. Diga-me o que conseguiu.

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