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Alguém sabe responder...?

por Zilda Cardoso, em 09.04.15

“Quais são os seres que podem entrar na minha vida?”

Dizia ou citava E.P.C. sobre H.H. num Público de 2001. Retiro a frase do contexto e fico a reflectir sobre o que quererá dizer, o que pode querer dizer para mim.

Refere-se a que tipo de seres?

Neste momento, sinto que entrou na minha vida um ser estranho que é este chefe de mesa do Hotel, carrancudo e maldisposto. É nítido que é mais capaz de me dar um pontapé do que um sorriso. Não esteve nada de acordo com o que eu escolhi e eu não escolhi nada do que ele sugeriu.

E a menina sua colaboradora, igualmente sisuda, começou por me perguntar qual era o número do meu quarto antes de me indicar a mesa… Julguei não estar a ouvir bem…. Como… ? O número de pessoas? “Não, o número do quarto,” repetiu perante a minha admiração. Entrou o chefe e quase gritou: “Todo o lugar serve! Pode ser qualquer mesa!” E fuzilou-a com o olhar!

Os meus pedidos são sumários, de modo que os empregados do restaurante ficaram a odiar-me. Não quis pão nem água nem vinho, de cada vez, peço uma entrada ou uma sopa e mais nada. Eles nem olham para o meu lado, se puderem não olhar. Demoram o mais possível a servir-me a mim que tenho tempo e não me importo nada.

Estes seres podem entrar na minha vida, entraram, rio-me por eles.

Também entra o chá de hortelã-pimenta por outra via e razão. As folhas eram frescas do jardim, perfumadas e raras nestes lugares sofisticados, mas eu fiz questão de o tomar todos os dias, logo depois daqueles tempestuosos encontros na sala de jantar...

E entra sobretudo o enorme descontentamento do dia, nitidamente dia a mais, repetida a mesma maravilhosa paisagem dos anteriores - a imponência das montanhas e dos seus cultivos, as joias do rio serpenteante -, semelhantes flores, idênticos pássaros e cantares, gestos e atitudes incompreensíveis iguais, cada dia.

Eu não sei se Herberto Helder falava português ou que língua falava. Ele inventou a língua em que escrevia os seus poemas ou as línguas dependendo dos temas que escolhia. Admito que inventasse uma língua para cada tema.

Eu gostava de saber criar um idioma ou pelo menos uma linguagem para descrever esta vila de Pinhão, onde me situo neste momento, a mais desengraçada do País e o lugar mais visitado do Norte, na zona vinhateira do Douro, onde se localizam algumas das melhores quintas dedicadas à produção de vinho generoso.

Lembrei-me da Agustina, como muitas vezes, ao descrever o Pireu, em que fala do cheiro quente do lugar em que se mistura o alho, os cominhos e a pimenta, a azeitona curtida e o azeite com o óleo meio queimado dos motores dos carros que perpetuamente circulam, o odor do vinho, o do fumeiro e o do queijo da serra. E o do lixo das coisas velhas e irrecuperadas, das casas fechadas e abandonadas, dos passeios que não existem, do alegre artesanato que há-de haver… de qualquer coisa de dê vontade de guardar para além da paisagem deslumbrante, do vinho magnífico e dos azulejos da estação do caminho de ferro.

Não será possível construir aqui uma povoação apresentável, digna da beleza da paisagem em seu redor?

Só faço perguntas a que não sei responder. Alguém sabe?

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publicado às 21:08





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