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Agosto de Chuva

por Zilda Cardoso, em 03.08.14

Precisaria de palavras novas para designar isto.

Este lugar donde a música se ausentou. Todos os ruídos desapareceram, engolidos, como os movimentos que os provocavam. A folhagem ficou varada mas brilhante, mudou de verde. E os frutos, recompondo-se depois do abalo, estão maiores e mais coloridos, frescos e com melhor toque. Sorridentes.

O que aconteceu?

Uma grande chuvada de Verão caíra durante uns minutos.

E findou.

Então veio uma rabanada de vento, abanou os ramos, caíram grandes gotas e maçãs e tudo foi silêncio outra vez.

 

 

 

Repetiu-se o esquema com intervalos durante toda a manhã.

Que palavras designariam bem este cenário, o que observo da minha janela, neste momento? Terei que as inventar porque não conheço. O que parece estar na minha frente é um emaranhado de folhagens de diversos verdes e poucos vermelhos; de folhas com formas geométricas variadas; de frutos redondos e verdes que parecem duros; e de bagas verdes arrumadas em cachos pendurados na ramada.

 

 

 

Vejo mínimos recortes de céu branco e flores vermelhas no eucalipto alto no mesmo céu. Os citrinos, onde o vento não chega, estão graves e insondáveis, sempre.

As diferentes folhagens ficam muito perto de mim, outras não tão perto, umas longe, outras mais longe. Porque há espaços e distâncias, mas vistas daqui, as diferentes folhagens como que se tocam, sem se tocarem, naturalmente.

Não pude evitar fazer umas classificações. Fui, no instante em que olhei e vi, tentar encontrar a ordem nesta confusão, uma forma de classificar, de dividir para compreender. De racionalizar.

Mas que há para racionalizar? É um vício ocidental, dizem.

E lembrei-me mais uma vez do texto de Jorge Luís Borges citado por Michel Foucault no prefácio do seu livro As Palavras e as Coisas. O Poeta parece ter descoberto “em certa enciclopédia chinesa” uma classificação encantadora e exótica. Lá se diz que “os animais se dividem em: a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) et caetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas”.

É tão absurdo e é tão cómico!

  

 

Enfrentando este cenário vegetal ensopado, envolto agora, mais uma vez, no seu véu de silêncio, tenho vontade de fazer uma classificação semelhante destas plantas, depois de repetições sucessivas do esquema matinal de chuvadas.

Como faria?

As plantas dividem-se em: a) pertencentes à Casa da Eira, b) troncos negros e cortados que de longe parecem esculturas, c) silvestres, d) maçãs verdes de Cézanne, e) abacates tropicais inexistentes, f) fabulosas, g) maçãs ácidas aneiras e com bicho, de que se faz marmelada, a cobrir o chão, h) incluídas na presente classificação, i) que se agitam como loucas com vento sul, j) inumeráveis, k) et caetera, m) ramos pesados de frutas que acabam de se quebrar, n) que de longe parecem uvas.

(Peço alternativas para esta classificação ou palavras novas para designar as peças deste cenário).

 

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publicado às 15:08





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