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(Apresentação do livro de Yolanda Freitas a crianças e a adultos)
Quero dizer-lhes, o prazer que me daria saber inventar histórias para crianças... Teria muito gosto em escrever para vós as que fossem mais cativantes, as mais divertidas, aquelas com que aprendessem alguma coisa, não aquilo que se aprende nos livros de História e de Geografia, por exemplo, ou de Inglês, mas outro tipo de histórias e de conhecimentos.
Tentei, claro. Lembro-me de um conto a que chamei "O Carrinho Amarelo". O herói da história era um "mini-moke" pintado inteiramente de amarelo vivo, que existia na realidade e eu usava todo o Verão de casa para a praia e da praia para casa com enorme alegria minha e sobretudo da criançada. Um dia, com o carro cheio de miúdos, os meus filhos e os seus amigos, aventurámo-nos até Vila Praia de Âncora e encontrámos uma praia de rio lindíssima e apaziguada quanto a vento, não sei se já lá estiveram. Passámos uma tarde daquelas e de regresso a casa em Moledo em boa (boa não é muita, mas razoável!) velocidade pela estrada fora, grande algazarra, miúdos de pé agarrados aos ferros laterais, cantando - uma festa e um horror. De súbito, a capota do carro solta-se - a capota, sabem, aquela da frente, a que cobre o motor - solta-se e voa sobre as nossas cabeças e vai aterrar vários metros atrás ao lado da estrada.
Por momentos, ficámos muito assustados e garanto-lhes que não me assusto facilmente! Mas aquela aventura tinha sido uma enorme tolice. Ou não, que acham?
Ninguém se feriu, por milagre, foi daquelas coisas que só acontecem no mundo da fantasia, talvez fosse isso que me levou a transformar o episódio numa história infantil escrita.
Mas eu não sei contar histórias para crianças. Penso que é preciso ter o dom de comunicar com elas que a Yolanda Freitas tem – uma delicadeza de linguagem, uma intuição fabulosa para descobrir o que os há-de encantar, uma grande imaginação, boa memória e um saber viver com eles e como eles, como os pequenos, saber movimentar-se no seu mundo leve que é aquele a que aspiram os poetas e os artistas - chamado mundo da infância. Muitos pintores sobretudo do século passado pintavam o que só os mais pequenos saberão compreender. É linguagem simples e poética que pode sintetizar muita experiência e reflexão.
Repararam ou vão reparar nesta história que conta o que conta sem banalizar, o que é muito difícil quando se situam as histórias no nosso tempo que como é nosso, este que estamos a viver, parece muito vulgar, sem magia…
Mas o que conta a história? Bom, pronto, não vou dizer, vão gostar de a ver e de a ler.
E eu fico a pensar que, se no nosso mundo, em Portugal e no resto, alguns dos que agora têm o poder e não o tinham há uma geração atrás, se esses tivessem lido muito mais livros bons como este da Yolanda, se teriam sido tão malandrotes, como têm sido. Compreendem o que quero dizer?
Não vivemos apenas de fantasias e de coisas maravilhosas fora do nosso entendimento, se bem que elas sejam importantes para nós e nos sintamos espontaneamente atraídos por elas. Os contos de fadas separam os bons dos maus de forma absoluta e isso não é assim na realidade, mas pode levar os mais novos a perceber o que é bom que seja feito e o que não deve fazer-se. E que é bom ser bom e generoso. E que é bom evitar a violência. E que é bom respeitar os mais velhos. E os outros. Quaisquer outros, os próximos e os que estão longe.
Não há pessoas inteiramente boas nem pessoas totalmente más, cada uma tem em si qualidades boas e qualidades más. Alguns têm mais qualidades boas do que más; com outros acontece o contrário. E os mesmos comportam-se ora bem ora mal, e é aí que os livros da Yolanda nos podem ajudar. Ajudar a distinguir.
A Yolanda sabe introduzir nas suas histórias muitas ideias sobre estas escolhas sem acinzentar o mundo que descreve e que é um mundo simples. Ao mesmo tempo, são histórias que adoptaram os valores da nossa época, as circunstâncias em que vivemos e as nossas maneiras de educar e de sermos educados; as crianças estão a ser preparadas para viverem no mundo tal qual ele será em breve.
Ela sabe brincar com as personagens quando conta as suas aventuras e também tem perspicácia suficiente para fazer passar a mensagem que quer passar. É a responsabilidade de quem escreve para crianças – não conta apenas uma história. Nem precisa de descrever a realidade, mas simplesmente descrever uma realidade de outra ordem.
Tal como os mitos, a fábulas e as lendas, estas histórias que nos emocionam ajudam a resolver conflitos que são de sempre. E auxiliam sem dúvida a criança a compreender valores de conduta e de convívio. Ela tenta defender a sua independência e impor a sua vontade perante os que detêm o poder e que são os pais e os educadores; e há a rivalidade com os irmãos mais velhos: são os seus conflitos. Ela sente medos e carências, logo tem necessidade de segurança, de protecção, de amor. O simbolismo dos gestos dos heróis que personificam os problemas e os acontecimentos emocionantes descritos, ajuda a compreender o que são valores básicos.
É muito mais fácil que o cinema com as suas imagens coloridas em permanente movimento e a banda desenhada consigam emocioná-las facilmente, sem grande esforço de imaginação. Para que a escrita conquiste esse clima de prazer, de alegria é necessário que ela seja ainda mais sugestiva, estimulante e divertida que o cinema.
Agora vejam, as palavras que o escritor usa têm de ser daquelas mágicas, as personagens que põe a representar sugerem formas simples de agir, de conviver pensando nos outros… com bom coração. São modelos. O autor estará a formar a consciência e a inteligência de um ser humano na sua fase de amadurecimento mais profundo, está a transmitir valores, está a formar a personalidade. E para a criança, o esforço de imaginar cenas a partir da escrita é importante para o bom funcionamento da mente, mas pensem até que ponto a escrita precisa ser ainda mais estimulante e imaginativa do que a imagem.
Tudo razões a favor da boa literatura infantil. Olhem, recordaram-me há dias um poema de Jorge de Sena que é uma carta aos seus filhos: “Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso. É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós”.
Faço meu, o desejo do Poeta – que o mundo seja ou venha a ser o que eu desejo para vós.
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