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(J. Freudenthal continua a falar da sua juventude na Alemanha, pouco tempo antes da subida de Hitler ao poder, o que aconteceu em 1933. Foram anos ainda bons para a sua família, apesar da crise económica e da crise política - os grandes partidos passaram a ser em 1932 anti-democráticos - o nacional-socialista e o comunista. O seu pai continuava com o negócio de rações, com inúmeros problemas e o irmão, que não queria estudar, deixou o liceu com o 5º ano e empregou-se como aprendiz voluntário numa empresa de automóveis. Esteve na General Motors, então um grupo importantíssimo).
“Quando cheguei ao 5º ano, principiava na Alemanha o grande mal-estar provocado pelo nazismo.
Para mim, não havia possibilidade de tirar um curso superior, por isso resolvi entrar na Escola Comercial e aprender rapidamente qualquer coisa prática.
Saí da Escola em 1928, com quinze anos, respondi a vários anúncios e comecei a trabalhar numa casa de exportação onde só me aguentei um dia. Era tão poeirento, tão chato, que fiquei desesperado. Mas quando cheguei a casa tinha uma chamada dum grupo americano de publicidade, a Erwin Waseys Company, um dos maiores grupos daquela época.
Procuravam um jovem para se formar nos vários departamentos. Fiquei á experiência durante 60 dias e gostei deveras. Tinham uma forma de trabalhar muito moderna, já eram aplicados princípios de psicanálise, estudos de mercado, categoria social dos clientes, abordagem aos meios de propaganda, enfim era a arte da venda.
Durante dois ou três meses estive com o Art Director, um inglês chamado King. Ele era o homem dos layouts, desenhos, placards, e tudo o que estivesse ligado à parte gráfica da publicidade.
Ao mesmo tempo, tirei um curso na Escola Superior de Arte onde fazíamos desenho com modelo, nos ensinavam a escrever graficamente, a apresentar textos e a fazer os placards. Passei depois pelo Traffic Department, ainda relacionado com gráfica e de seguida pelo Service Department onde se fazia o contacto directo com os clientes e elaboração de planos. No Text Department a que estávamos ligados, trabalhavam na elaboração dos textos pessoas com inclinação para a poesia.
Porém, com o agravar da crise, fazia-se muito menos propaganda ou publicidade e muito pessoal foi despedido.
Trabalhei então com um agente de publicidade independente que tinha os seus clientes e trabalhava com um pequeno grupo de colaboradores.
Apesar de ser proveitoso para mim como experiência, sentia que não estava a progredir.
Em 1932 respondi a outro anúncio e consegui entrar para uma grande gráfica. Tinha um magazine semanal com sessenta ou mais páginas, uma secção artística e uma de propaganda onde fiquei. Era uma gráfica muito importante, pertencia a judeus e tinha uns 400 a 500 elementos.
Berlim era uma cidade com uma vida cultural intensa, centro da cultura europeia, mais do que Viena de Áustria ou mesmo Paris.
Havia excelente ópera, o melhor teatro - grandes artistas ali actuavam. Os Pais arranjaram-nos uma assinatura para a ópera e, quer quiséssemos quer não, tínhamos que ir. Vimos tudo o que foi apresentado naqueles anos: quase todas as peças de Verdi, de Rossini e de muitos outros grandes músicos.
Frequentávamos o teatro clássico - Schiller, Goethe, Shakespeare, e também Brecht.
Berlim tinha tudo o que havia de bom, era uma cidade belíssima, asseada, organizada, com museus admiráveis, excelentes galerias de arte e… arredores de uma beleza invulgar.
No Verão, como a temperatura era muito alta, viajávamos até ao Mar Báltico para fruir de magníficas praias. Recordo-me de ir à ilha de Bornholm, na Dinamarca, no lado Atlântico do Mar do Norte. Na Inverno, fazíamos ski nas montanhas da Áustria.
Era uma vida excelente e eu sentia-me muito satisfeito com a minha profissão.
A Alemanha tinha-se tornado um país livre depois da guerra de 14-18, e o relacionamento entre rapazes e raparigas era muito, como dizer, progressista, mas variava com a classe social.
E é claro, não havia a pílula, as coisas tinham a sua gravidade.
As raparigas com quem nos dávamos eram de famílias judaicas. Íamos buscá-las para o cinema ou para um dancing, mas os pais reparavam bem em quem nós éramos, faziam perguntas, queriam saber se podiam confiar; e tínhamos de regressar a uma determinada hora.
Naquela altura, já havia muitas raparigas empregadas, com profissões e vida independente - em Portugal só muito depois da Segunda Guerra se começou a viver desse modo.
Se queríamos namorar uma rapariga, combinávamos com ela, não pedíamos licença a ninguém e… namorar à janela, foi coisa que nunca vi até chegar a Portugal".
(Calculo que o namoro à janela devesse ser muito divertido e dava tranquilidade aos pais; parecia original apenas porque nos outros países europeus tinha acabado havia muito tempo. E é, sem dúvida um costume medieval, podemos ver nos filmes de capa-e-espada e em gravuras antigas).
"Acampávamos nas férias, rapazes e raparigas, nós tínhamos as nossas tendas e as raparigas… as delas. E se havia uma mais libertária, essa fazia o que queria mas era respeitada. Não era logo seduzida, como fariam os rapazes portugueses, que se empenhavam para as conquistar e, se conseguissem, de seguida as abandonavam".
E depois, veio o nazismo.
O nazismo começou a infiltrar-se e a antiga ordem foi alterada. Foi estabelecido um estado totalitário e de terror em substituição da constituição liberal de Weimar. Hitler violou de diversos modos o Tratado de Versailles sem que os Aliados quisessem intervir, e restabeceu o serviço militar obrigatório e aprovou leis raciais. A propaganda do regime era electrizante".
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