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O outro: diferente mas igual

por Zilda Cardoso, em 17.10.10

 

 

 

Fui dar o primeiro passeio com a K. que gentilmente se ofereceu para me acompanhar no necessário

e estimulante acontecimento.

Caminhámos devagar, com segurança, olhando os outros, sentindo-os passar apenas, sem cálculo, sabendo que participam da mesma realidade.

É o começo da tarde, há uma ligeira brisa, o sol brilha entre os arbustos sempre verdes e plácidos e redondos da avenida. Sinto-me bem acolhida no lugar, nestes dias sem vento desesperado, sem chuva em torrentes, sem ondas imensas assustadoras já que o mar agora conquistado, um pouco mais além, nos olha porventura com desilusão porque nunca acreditámos, nós, que a sua fúria de há dias fosse para nos destruir. Era apenas uma sua fantasia.

Passeio com a minha amiga que me conta as mais recentes ocorrências da sua vida e da dos amigos comuns de quem eu não tinha notícias há muito. Devolvo-lhe a amabilidade com outras histórias e penso no que Agustina disse sobre o confidente.

“O confidente é a testemunha da nossa realidade; sem ele a vida seria insuportável e limitada e uma experiência sem consequências”.

Se eu não tiver a quem contar as minhas aventuras, se não as contar, é como se elas não tivessem acontecido. E eu quero que “tivessem acontecido”. Por isso, conto. Por isso, a ouço contar. E por uma vez, não me interesso e não escuto “uma cigarra que canta, uma pedra que rola, uma flor que morre”. Ouço a voz da minha amiga e ouço a minha. E regresso satisfeita.

 

Porque compreendo que ela é diferente de mim e eu sou diferente dela, somos ambas distintas dos que nos cruzam, mas precisamos deles, preciso deles e dela para sentir que existo. São esses que me dão o ser. A minha existência é real a partir da sua visão de mim –  isso lhes dá importância aos meus olhos. E eles precisam que eu lhes dê importância.

 

A atitude, os seus gestos, o comportamento da K. têm uma qualidade insuperável, um valor enorme para mim, porque ao falar-me dela própria, faz-me ver a diferença que há entre nós. Conhecendo-a… conheço-me.

Procurei nela conforto e segurança, ela sentiu-se responsável. Nenhuma de nós é estrangeira para a outra. Ela é apenas a outra, a que faz de mim o que eu sou.

 

Fico a saber o que pode ser o outro e,  do mesmo modo,  que ninguém existe nem quer existir isolado no mundo. Somos responsáveis uns pelos outros e tudo nos diz respeito - o que se passa nas minas do Chile e nas da China, em Paris e no Porto, em New York e em qualquer outro lugar. E não apenas consideramos os efeitos dos desastres, mas ainda as sequelas das festas.

 

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publicado às 07:11


40 comentários

De Zilda Cardoso a 19.10.2010 às 08:20

"Aceitar o que lhes dão" é muito triste. não queria dizer isso. Pensarei noutra fórmula mais sorridente.

De Vicente Mais ou Menos de Souza a 19.10.2010 às 10:00

A sopa dos pobres.

À mesa
O que resta
São côdeas
Do resto
-
Côdeas
De fome
Sem um
Protesto
-
Alguns
Engolem
O pão
E a fome

-
Outros
Ignoram
A ira
Que sobe
-
Por aí
Calada
A dor
E a raiva
-
Nos olhos
Calada
Essa dor
Esmaga
-
Talvez
Notícia
A morte
No esgoto
-
Se for
Macabra
A foto
Do morto
-
Apenas
Um número
Há-de
Restar
-
Passou
Por aqui
Vagou
O lugar

De Isabel Maia Jácome a 19.10.2010 às 14:02

Agora Zilda fui eu que me deliciei com esta troca entre os dois.
Ao Manuel, as minhas desculpas... outro dia, de certa forma "menti" quando disse que já não estava triste e omiti a razão... (estava demasiado envolvida nessa tristeza para poder desfiá-la e não quis continuar a preocupar ninguém, muito menos depois de ler um, comentário tão agradável e aconchegante como o que o Manuel escreveu)... mas essa tristeza, que já se arrasta faz tempo, agudizou-se por aqueles dias estando precisamente relacionada com o estado do país, com o estado da saúde em Portugal, com a forma como, sem escrúpulos estão a mexer connosco, profissionais de saúde e utentes... assim como com a vontade enorme que o meu marido tem também de "partir daqui", para não sei bem onde...
... confesso que há momentos em que, não é que eu não queira também... mas,... e aqui agradeço à Zilda esta comunhão de ideias, ou ideais, há um qualquer "bichinho" que me rói... e que aumenta essa "roedura" precisamente quando sentimos que ainda existe alguém que nos incita e anima... a ficar, a lutar, a permanecer com as m«nossas crenças", com a nossa postura... pensar... que se vamos todos embora, então é que nada muda mesmo!!!...
...não estou na política nem nunca estive, mas tenho pensado tanto na forma de poder intervir à minha maneira pelo nosso país, por nós pessoas e Portugueses que amo e em quem acredito..., ainda... ou apesar de tudo!...
De qualquer forma obrigada aos dois.
Acho que já disse e repito agora que têm sido bem mais importantes para mim do que podem pensar..., os dois... a zilda, o Manuel...
...quanto à troca de palavras, partilha de desesperos, desânimos e ânimos... as palavras podem ser fantásticas, de facto... e ontem, só os dois para me conseguirem fazer dar uma valente gargalhada!
Pena só hoje ter conseguido partilhar do momento.
Ânimo para o Manuel... faço coro com a Zilda, e não vá embora por favor!... se quizer mais uma sopinha... é mais uma que a partilha com muito carinho.
Ânimo para a Zilda também, para que nos mantenha animados, confortados e com a importante certeza de que continua "aí"... e no fundo, "aqui", bem perto de cada um de nós!
...Aceitar, receber o que é partilhado de forma genuína, pode ser fantástico! Para quem recebe. Para quem dá!!!
Abraço apertado aos dois, tentando não magoar a nossa querida Zilda.
Obrigada!
Sempre,
Isabel

De Vicente Mais ou Menos de Souza a 19.10.2010 às 18:49

Meninas Zilda e Isabel, se têm dúvidas para onde emigrar eu convido-as ( logo se verá após uns anitos, se chega a "grana") para um bate-papo ao fim da tarde no calçadão de Copacabana ao pôr-do-sol a beber umas caipirinhas e afalar sobre o tema que quiserem...

Depois jantar num belo restaurante, ida a um dancing com música forró...eheheeh...ou ir a um concerto de Caetano ou Maria Bethânia...o que quiserem...

A propos, trouxe um dvd de um concerto no natal do ano passado, com músicas do Tom Jobim, num mano a mano fenomenal entre o Caetano Veloso e Roberto Carlos. Uma beleza mesmo, é impossível ficar triste.

De Zilda Cardoso a 20.10.2010 às 10:58

Eu aceito. Olhe que se está muito bem em Copacabana, tb sei isso. Mas não chega.
É um bom programa para um fim de dia, mas os dias têm 24 horas que é necessário preencher. Mesmo dormindo muito, ainda sobra tempo... para quê?

De Vicente Mais ou Menos de Souza a 20.10.2010 às 20:28

catar cafuné, ler, trabalhar nas favelas ajudando os favelados, aperalquitar-se e ir a chás de dondocas, tudo programas que sei que adora....ahahahahah

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