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Fui dar o primeiro passeio com a K. que gentilmente se ofereceu para me acompanhar no necessário
e estimulante acontecimento.
Caminhámos devagar, com segurança, olhando os outros, sentindo-os passar apenas, sem cálculo, sabendo que participam da mesma realidade.
É o começo da tarde, há uma ligeira brisa, o sol brilha entre os arbustos sempre verdes e plácidos e redondos da avenida. Sinto-me bem acolhida no lugar, nestes dias sem vento desesperado, sem chuva em torrentes, sem ondas imensas assustadoras já que o mar agora conquistado, um pouco mais além, nos olha porventura com desilusão porque nunca acreditámos, nós, que a sua fúria de há dias fosse para nos destruir. Era apenas uma sua fantasia.
Passeio com a minha amiga que me conta as mais recentes ocorrências da sua vida e da dos amigos comuns de quem eu não tinha notícias há muito. Devolvo-lhe a amabilidade com outras histórias e penso no que Agustina disse sobre o confidente.
“O confidente é a testemunha da nossa realidade; sem ele a vida seria insuportável e limitada e uma experiência sem consequências”.
Se eu não tiver a quem contar as minhas aventuras, se não as contar, é como se elas não tivessem acontecido. E eu quero que “tivessem acontecido”. Por isso, conto. Por isso, a ouço contar. E por uma vez, não me interesso e não escuto “uma cigarra que canta, uma pedra que rola, uma flor que morre”. Ouço a voz da minha amiga e ouço a minha. E regresso satisfeita.
Porque compreendo que ela é diferente de mim e eu sou diferente dela, somos ambas distintas dos que nos cruzam, mas precisamos deles, preciso deles e dela para sentir que existo. São esses que me dão o ser. A minha existência é real a partir da sua visão de mim – isso lhes dá importância aos meus olhos. E eles precisam que eu lhes dê importância.
A atitude, os seus gestos, o comportamento da K. têm uma qualidade insuperável, um valor enorme para mim, porque ao falar-me dela própria, faz-me ver a diferença que há entre nós. Conhecendo-a… conheço-me.
Procurei nela conforto e segurança, ela sentiu-se responsável. Nenhuma de nós é estrangeira para a outra. Ela é apenas a outra, a que faz de mim o que eu sou.
Fico a saber o que pode ser o outro e, do mesmo modo, que ninguém existe nem quer existir isolado no mundo. Somos responsáveis uns pelos outros e tudo nos diz respeito - o que se passa nas minas do Chile e nas da China, em Paris e no Porto, em New York e em qualquer outro lugar. E não apenas consideramos os efeitos dos desastres, mas ainda as sequelas das festas.
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