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Pedi à M. para me trazer de casa um frasquinho mínimo de água-de-colónia, uma amostra, coisa fundamental para a minha vida naquele momento.
Trouxe três frascos, dois estavam vazios, um tinha uma embalagem complicada de que não consegui livrá-lo sem poderosa ajuda.
Depois ficou o frasco com o líquido a reluzir, ligeiramente azul, transparente e bem cheiroso sobre a mesa até ao dia seguinte. Contudo, quando me fui servir dele, não consegui tirar a tampa - um objecto branco minúsculo, translúcido, bem bem apertado para nada se perder do precioso líquido que me faria a mim conquistar com tranquilidade o mundo. Então o A. tentou abrir com não sei que instrumento e a tampa saltou e nunca mais se viu.
A água preciosa não sobreviveria tempo nenhum no recipiente sem a tampa, por isso, eu o conservei na minha mão. Enquanto isso, o A. e a C. que assistia à cena, andaram de joelhos no chão por largo tempo, acenderam todas as luzes, arrastaram cadeiras e mesas e a cama e… nada, não encontraram nada. Sumiu, evaporou-se, eclipsou-se, desapareceu. Zero, nada, coisa nenhuma.
Diverti-me a observá-los naquela difícil tarefa de encontrar uma coisa que era fundamental para alguém e, para mim, no momento já sem valor. Eu continuava, apesar disso, com o objecto na mão, vertical, para que nenhuma gota se derramasse.
De súbito, a tampa apareceu a alguns metros de distância sobre o estreito rodapé da parede em frente, para onde tinha sido catapultada pelo instrumento rígido do resgate. Foi uma alegria, um entusiasmo, uma festa. “Quem porfia”… “Se eu desistisse”… “Eu nunca desisto”… e por aí fora, foi o que ouvi repetir.
Pus a tampa no frasco (chamar-lhe frasco é excessivo, aquilo é uma coisinha cristalina que mal se vê) que ficou sobre a base de vidro totalmente imperceptível na mesa-de-cabeceira.
No dia seguinte, depois dos arranjos matinais, procurei a água perfumada para dar a mim própria um ar supostamente mais delicado, civilizado, talvez. E, imaginem, ela não estava lá nem a base de vidro onde ficara alojada. Tinham vindo arrumar o quarto e decidiram levar a base transparente que ali permanecia há vários dias, de facto desde a primeira hora da minha estada no hospital. Levaram a base e o que lá estava.
Quando a empregada entrou de novo, toda de verde aos quadradinhos mas não bastante risonha, para finalizar as limpezas, ousei perguntar com muita esperança, mas timidamente, se podia procurar o frasquinho, se ela podia procurar o frasquinho, talvez nos corredores… na copa... ou não sei onde. E ela que já tinha empreendido comigo primitivas buscas ali, disse, sim, senhora, vou procurar.
Não chegou a sair do quarto – o jovem frasco estava, não na base transparente que, essa, tinha na verdade desaparecido, mas sobre o pano bordado, o napperon cheio de flores azuis e doutras cores suaves pousado sobre a mesa. E brilhava azulado e puro como uma água-marinha de berílio e silicato de alumínio, pedra semi-preciosa, como as que há no Brasil e um pouco por todo o mundo, mas não em Portugal.
Não é uma história divertida?! De gemas e líquidos azuis raros e aromáticos? E de persistência e de caça ao tesouro e de humildade? E de paciência? Quanto a imaginação…
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