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O silêncio de Agustina

por Zilda Cardoso, em 13.10.10

 

 

Em 1959, Agustina foi convidada a participar num congresso em Aix-en-Provence sob o tema geral - o destino da Europa - com grandes figuras da literatura europeia. Posteriormente, publicou o livro de que tenho falado em que descreve a viagem por Espanha, França e Itália, uma espécie de diário com reflexões preciosas sobre diversas questões, entre elas, o silêncio.

No dia em que ia ser discutido o problema da técnica, Agustina diz das suas impressões muito bem-humoradas sobre alguns participantes que vão aparecendo na sala ao mesmo tempo que ela distribui sorrisos já sentada numa cadeira rústica pintada de azul-claro. Escreve de como é difícil alguém conservar a dignidade intelectual sentada numa cadeira tão ingénua, mas é a que ela escolhe. Ainda uma vez fala de convívio e de silêncio.

 

 

"Entre uma multidão que se interpela, que se exprime afanosamente, que se chama à distância, que se abre em aberrantes votos de confiança, que se oferece, que se interessa, que arma pavilhões e convida amigos e desperta vizinhos, encontrar alguém que está calado e permite que façamos a respeito dele suposições erradas e fantásticas – isso é como descobrir a pedra filosofal. Para o diabo o mundo elástico das boas intenções, as campainhas no pescoço do belo senso; para o diabo os sindicatos da simpatia, o quase entendimento, a meia-verdade, o saltinho sobre o ombro da minúscula razoabilidade! Fechem as máquinas de falar, desandem os botões da verbosidade, façam má cara aos visitantes, despeçam os oradores oficiais, cancelem o contrato dos conferencistas. Silêncio, silêncio… Escondam o rosto um momento, desçam as cortinas, preguem as janelas, chorem, se quiserem, mas silêncio! Dai tempo a ouvir um anjo que passa, uma cigarra que canta, uma pedra que rola, uma flor que morre. Também isto é sério, também isto é justo, também isto é revelação, e caridade, e inteligência. Dai tempo a vós próprios, que sois vivos e que o podeis saber. E silêncio."

 

 

(imagens da Casa da Eira em Moledo do Minho)

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publicado às 08:04


13 comentários

De João Nuno a 15.10.2010 às 01:18

Ausente e desaparecido, volto ao seu blogue, querida Zilda, sempre que consigo.

Deixo-lhe este pensamento de Agustina Bessa-Luís, neste seu dia...

«Cada voz está só e é única e é contra o coração dos outros, vertiginosamente, que ela ressoa».

Com toda a ternura possível,
João Nuno

De Zilda Cardoso a 15.10.2010 às 10:40

Muito obrigada. Hoje é o dia do aniversário de Agustina a quem sempre admirei como uma MULHER EXTRAORDINÁRIA, divertida, cultíssima, inteligente, grande escritora, grande amiga. Os seus livros são inspiradores do que de melhor podemos nós realizar. Por isso, tenho vindo a reler e a citar a sua Embaixada a Calígula - obra muito da minha preferência.
"A palavra escrita tornou-se uma espécie de escuma que todas as ondas transportam e, ainda que raramente esclareça os homens, comove-os quase sempre - o que continua a ser tão fatalmente o grande meio para os dominar".

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