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A caminho do México, passámos pela Guatemala com a naturalidade de quem dobra a esquina mais próxima da sua casa para dar uma volta pelo bairro. Tínhamos sabido de uma feira que conservava o encanto das feiras tradicionais e se realizava às quintas e domingos em Chichicastenango.
Atraía turistas de perto e de longe, de dentro e de fora do País, foi um inesperado deslumbramento e um estímulo. Fomos de véspera, ficamos num simpático hotel por perto, onde empregados nativos, “muito” índios e amáveis, nos acolheram bem, nos ensinaram a acender a lareira do quarto esfregando energicamente um no outro dois pequenos paus muito preparados e nos informaram sobre o acontecimento mais importante da cidade embora ocorra com uma frequência louca.
No dia seguinte, percorremos o recinto com intensa curiosidade. Era um fervilhar de gente com os seus trajes lindíssimos confeccionados com panos de lã ou de algodão, tecidos nos pequenos teares manuais que tínhamos visto, a caminho da cidade, as mulheres tecerem na rua, em frente da sua casa. Tinham cores carregadas e vivas, misturavam-se como as flores de um jardim na Primavera e eram uma alegria para os olhos.
Tudo parecia festivo por ali, comemorava-se qualquer coisa, talvez tivessem estralejado foguetes.
No recinto da feira, havia uma igreja onde as velas ardiam e era queimado incenso em permanência. As pessoas entravam continuamente levando oferendas de flores, de comida, de animais e saiam quase logo. Nitidamente um culto pagão e o católico juntavam-se em perfeita harmonia.
O interessante é que eu recordo duas igrejas, uma de cada lado do recinto, uma mais arruinada do que a outra, e estou a ver numa delas a monumental escadaria de pedra muito mais antiga do que a igreja. Fui procurar explicação na Internet para as minhas imagens um tanto imprecisas. Vi a figura de um templo muito caiado que parece acabado de construir devotado a S. Tomás, não falava de nenhum outro. Mas não inventei. Penso que houve ali um terramoto e pelo menos uma das igrejas estava em ruínas ao tempo da minha visita. Talvez a outra fosse um templo maia. Soube que esta Igreja de S. Tomás foi construída sobre o templo maia ali existente e os degraus que levavam à plataforma do templo ainda são venerados. É sobre eles que também são colocadas oferendas e são feitos sacrifícios (de galinhas, coitadas).
O que eu vi por todo o lado foi um respeito pela tradição que é bem claro em todas as actividades e maneiras de estar, e as justifica.
Vi homens carregando grandes sacos às costas com uma tira larga de couro sobre a testa de modo que a cabeça também suportava o peso do saco. Fiquei muito impressionada, mas eles pensariam que o que foi bom para os seus avós só podia ser bom para eles. E suportavam-no nessa convicção.
A feira era espectacular na variedade e qualidade dos produtos que desde as primeiras horas da manhã os seus donos expunham muito empenhados, combinando cores e atractivos. Havia legumes, flores e plantas medicinais, mas também máscaras de madeira, tecidos e roupas confeccionadas e cintos finíssimos que os homens usavam para segurar as calças largas que sem eles cairiam ao chão; eram uma beleza de desenho, um primor de execução - davam logo um ar alegre às vestimentas mais sombrias.
Comprei algumas peças vibrantes que conservo religiosamente como elementos decorativos na minha sala. E sandálias de couro entrançado que ainda circulam, vinte anos depois.
Porém, aquela feira é muito mais do que mercado: é comemoração, agradecimento, alegria, festa. É um lugar privilegiado de encontro do sagrado e do profano, por isso talvez, apesar de ser festa, há uma serenidade nas pessoas que nos toca.
Valeu a pena parar pelo caminho e dar aquela pequena volta como quem não quer a coisa.
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