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CHICHICASTENANGO

por Zilda Cardoso, em 30.07.10

 

 

http://www.synergise.com/tales/pics/tale-pics/82-guatemala-weaver.jpg

 

 

 A caminho do México, passámos pela Guatemala com a naturalidade de quem dobra a esquina mais próxima da sua casa para dar uma volta pelo bairro. Tínhamos sabido de uma feira que conservava o encanto das feiras tradicionais e se realizava às quintas e domingos em Chichicastenango.

Atraía turistas de perto e de longe, de dentro e de fora do País, foi um inesperado deslumbramento e um estímulo. Fomos de véspera, ficamos num simpático hotel por perto, onde empregados nativos, “muito” índios e amáveis, nos acolheram bem,  nos ensinaram a acender a lareira do quarto esfregando energicamente um no outro dois pequenos paus muito preparados e nos informaram sobre o acontecimento mais importante da cidade embora ocorra com uma frequência louca.

No dia seguinte, percorremos o recinto com intensa curiosidade. Era um fervilhar de gente com os seus trajes lindíssimos confeccionados com panos de lã ou de algodão, tecidos nos pequenos teares manuais que tínhamos visto, a caminho da cidade, as mulheres tecerem na rua, em frente da sua casa. Tinham cores carregadas e vivas, misturavam-se como as flores de um jardim na Primavera e eram uma alegria para os olhos.

 

 

File:Chichi 004.jpg

 

 

Tudo parecia festivo por ali, comemorava-se qualquer coisa, talvez tivessem estralejado foguetes.

No recinto da feira, havia uma igreja onde as velas ardiam e era queimado incenso em permanência. As pessoas entravam continuamente levando oferendas de flores, de comida, de animais e saiam quase logo. Nitidamente um culto pagão e o católico juntavam-se em perfeita harmonia.

O interessante é que eu recordo duas igrejas, uma de cada lado do recinto, uma mais arruinada do que a outra, e estou a ver numa delas a monumental escadaria de pedra muito mais antiga do que a igreja. Fui procurar explicação na Internet para as minhas imagens um tanto imprecisas. Vi a figura de um templo muito caiado que parece acabado de construir devotado a S. Tomás, não falava de nenhum outro. Mas não inventei. Penso que houve ali um terramoto e pelo menos uma das igrejas estava em ruínas ao tempo da minha visita. Talvez a outra fosse um templo maia. Soube que esta Igreja de S. Tomás foi construída sobre o templo maia ali existente e os degraus que levavam à plataforma do templo ainda são venerados. É sobre eles que também são colocadas oferendas e são feitos sacrifícios (de galinhas, coitadas).

O que eu vi por todo o lado foi um respeito pela tradição que é bem claro em todas as actividades e maneiras de estar, e as justifica.

Vi homens carregando grandes sacos às costas com uma tira larga de couro sobre a testa de modo que a cabeça também suportava o peso do saco.   Fiquei muito impressionada, mas eles pensariam que o que foi bom para os seus avós só podia ser bom para eles. E suportavam-no nessa convicção.

 

 

 

 

A feira era espectacular na variedade e qualidade dos produtos que desde as primeiras horas da manhã os seus donos expunham muito empenhados, combinando cores e atractivos. Havia legumes, flores e plantas medicinais, mas também máscaras de madeira, tecidos e roupas confeccionadas e cintos finíssimos que os homens usavam para segurar as calças largas que sem eles cairiam ao chão; eram uma beleza de desenho, um primor de execução - davam logo um ar alegre às vestimentas mais sombrias.

Comprei algumas peças vibrantes que conservo religiosamente como elementos decorativos na minha sala. E sandálias de couro entrançado que ainda circulam, vinte anos depois.

Porém, aquela feira é muito mais do que mercado: é comemoração, agradecimento, alegria, festa. É um lugar privilegiado de encontro do sagrado e do profano, por isso talvez, apesar de ser festa, há uma serenidade nas pessoas que nos toca.

Valeu a pena parar pelo caminho e dar aquela pequena volta como quem não quer a coisa.  

 

Chi Chi Women por Matthew Winterburn. 
(As fotos foram retiradas da Internet. Podemos ver, uma mulher tecendo no seu pequeno tear, a confusão muito organizada do mercado, os dezoito degraus de pedra da Igreja de S. Tomás e as magnificas vestes das mulheres de Chichicastenango).).

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publicado às 19:32


3 comentários

De CC a 31.07.2010 às 17:57


Uma dsecrição perfeita foi como se eu também lá estivesse estado.
Fique bem!

De Marcolino a 31.07.2010 às 18:53

Boa tarde, Zilda!
Por onde começarei?
Vou por aqui: « há uma serenidade nas pessoas que nos toca», é aquilo que gosto em si; a sua serenidade descritiva, que me toca profundamente!
Abraço
Marcolino

De Augusto Küttner de Magalhães a 31.07.2010 às 23:13

Mais uma excelente narração, que nos faz "quase" lá também ter estado.

Augusto

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