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memória de outra viagem

por Zilda Cardoso, em 29.07.10

 

 

 

A propósito de viagens, recordei algumas minúcias que gostaria de lhes contar.

Estávamos no sul de Espanha para onde tínhamos viajado de carro. Muitas vezes, e dessa vez, ficávamos em parques de campismo e por isso íamos carregados de tralha para todas as eventualidades. Levávamos também o que nos era próprio: a juventude e a alegria de estarmos livres e descuidados para o que nos apetecesse. E vimos um enorme cartaz, foi talvez em Cádis, anunciando uma travessia para Tânger num enorme barco branco extremamente sedutor, com piscina e o mais com que sonhávamos havia muito.  

Fomos.

Uma delícia aquela travessia, muito cinematográfica, apanhámos sol nas cadeiras longas do convés vestidos como as estrelas de cinema, copiámos os seus gestos bebericando frescas coloridas bebidas com minúsculo guarda-sol de papel, e tirámos fotografias enquanto gravávamos na memória belas imagens.

Na memória, porque não encontro as de papel.

Na cidade do outro lado, foi preciso arranjar hotel para essa noite e fomos ao gabinete das informações turísticas - recomendaram um certo hotel muito bom. Ficámos lá, mas ainda hoje sinto a indignação de ver que os lençóis não eram limpos e eu dormi sentada na cadeira, esperando desesperadamente a manhã para poder sair e circular. Como pudemos não reclamar?

Andámos fazendo compras pelos bazares, deslumbrados com o brilho das novidades à venda, com os costumes dos vendedores e dos outros e com o ambiente de ruas e praças. Trouxemos objectos de couro - almofadas e chinelos artesanais grosseiros que ainda há pouco existiam no museu caseiro.

Calcei logo os meus, cor de vinho tinto com uns bordados lindos no mesmo material, na frente, em cima, de modo que, enquanto movia os pés em qualquer direcção, via a beleza do ornamento e sorria. Estava muito orgulhosa. E continuámos por ali, coscuvilhando nas lojas extraordinariamente cativantes, até que ouvimos o apito desesperado do nosso navio. Olhámos para o relógio e… estava na hora de partir! Tínhamos esquecido completamente.

Corremos então pelas ruas, com um calor abrasador pelas costas, em direcção ao cais de embarque. Eu não podia ir depressa o necessário com aqueles chinelos enfiados, pesados e afinal incómodos e... tirei-os dos pés e corri descalça na calçada nojenta e cheia de piche negro e pegajoso. Corri o mais que pude, com o que tinha comprado nas mãos e o desejo enorme de não ficar ali outra noite, por nada deste mundo.

Chegámos no último segundo, sempre a ouvir o chamamento do apito, e entrámos ofegantes no vapor que nos salvou para uma vida vulgar e regular.

 

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publicado às 15:16


2 comentários

De Marcolino a 29.07.2010 às 16:30

Olá Zilda!
Olhe, quer que lhe diga com toda a sinceriadae?
Então aí vai: Senti-me dentro desta sua narrativa!
Abraço, desejando temperaturas mais amenas,
Marcolino

De Augusto Küttner de Magalhães a 30.07.2010 às 12:40

Cara Zilda

Assino por baixo: o comentário do Marcolino.

Com um abraço

Augusto

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