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Queria fazer uma última viagem no sentido que Agustina dá ao termo viagem.
“A viagem com o seu mistério e a sua intimação à consciência, com as suas alegrias que nascem inexplicavelmente dum golpe de vento na poeira sobre uma ponte, duma sensação de vida isolada e profunda quando atravessamos uma terra estrangeira – ah, essa viagem poucos a podem experimentar!”
Experimentei vezes sem conta e é disso que tenho saudades, é isso que desejo tentar uma vez mais.
Recordo pormenores daquela ao Japão; e da outra ao México sobre as quais escrevi ainda no calor do que admirei. Foram também perfeitas as viagens à Índia dita Portuguesa, à Turquia e a lugares inteiramente diferentes como a algumas ilhas da Polinésia, à Ilha Maurícia, aos Estados Unidos, e a muitos lugares de quase todos os países da Europa.
O que encontrei em qualquer destes lugares tão dissemelhantes?
Não sei o que descobri. Sei que me davam um prazer enorme essas viagens sem muitas marcações prévias, os detalhes desconhecidos e insignificantes que ia descobrindo, essa beleza das coisas simples e ignoradas de que não dava conta no meu dia-a-dia apressado e desatento nos lugares habituais. Divertia-me analisar os gestos de pessoas estranhas, adivinhar as intenções, imaginá-las na sua vida grandiosa e simples. Nos seus dramas, facilmente arquitectados por mim a partir de um trejeito ou de um acenar, adivinhava inteligência e perseverança e muito mais. Como melancolia. Ou imprudência, talvez.
O que me ficou foi o prazer das descobertas que mais ninguém fez, apenas porque não tinham valor para ninguém. Aquela música em certa catedral gótica à luz dourada do fim do dia que inesperadamente me agarrou e me levou para um mundo outro… O modo como passei as barreiras para o lado da New York não recomendável, feliz e inocente, consumindo à colherada um enorme e saboroso iogurte que levava na mão, com o dobro do tamanho dos nossos e o doce de fruta no fundo para misturar apenas o que quisesse, calculando que ninguém me faria mal e não fez. Ou nem sequer pensava nisso. O espanto de ver a senhora velhinha, impecável nas suas roupas esbatidas a condizer com o cabelo branco, a apanhar com desagrado, claro, qualquer minúsculo papel que alguém deixava cair ao chão, conspurcando a sua cidade limpa… E o ter podido conviver com o importuno, como diz Agustina, no para mim mais interessante dos seus livros, Embaixada a Calígula, que acabei de comprar pela segunda vez, agora na reedição de toda a obra.
Termino lembrando palavras de Kierkegaard, citadas nesse livro:
“Quando alguém escreve acerca dos acontecimentos da sua própria vida, é regra de delicadeza não dizer nunca a verdade, mas reservá-la para si e permitir só que se reflicta de diversos ângulos”.
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