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Esperarei que o sol se acenda e ilumine as ruas, espelhe no mar e o torne tranquilo.
Aguardei toda a manhã enquanto escutava o seu rugir de fúria e, como não queria vê-lo de perto assim, nem ver as gaivotas voarem desatinadas em várias direcções nem sentir o vento comandar toda esta loucura, apenas ao fim da tarde, fui ao seu encontro.
Chego muito perto dele, acaricio-o como a animal de estimação, brincamos os dois na praia sossegada. Mas fui pensando que estes passeios à beira-mar já não tinham graça.
Talvez antes, quando ele enrolava e desenrolava sobre si próprio com uma raiva espumosa e dificilmente contida; no tempo em que ele era esse tecido rugoso, ondulante, fugidio com larga orla branca de renda... talvez... se tivesse saído de casa nessa hora....
Com desconsolo, subi a escadaria, da praia para a avenida, como é hábito, e então decidi sentar-me no chão, entre os carris, no pavimento, no meio da rua. Os carros circulavam nos dois lados de mim, num sentido e no outro. O lugar era na encruzilhada, onde podia ver as pessoas que desciam para a praia e as que subiam da praia, e os carros que viravam em redor de mim, espécie de feliz "rond-point", e subiam a rua perpendicular ao mar.
Estava no centro do mundo (embora ao nível do mar), e nada me passaria despercebido.
O que aconteceu foi que as pessoas começaram a aglomerar-se em volta de mim, com risos largos e olhos muito abertos, em grande excitação. Nas varandas e janelas habitualmente desertas, gente séria e comedida, zombava e gesticulava com vivacidade latina, e eu...
Eu esperava o acontecimento com um sorriso de ponta a ponta, encantada que estava com o borborinho.
De súbito, um polícia surgiu do nada, e dirigiu-se-me, todo curvado para mim, a explicar calmamente que eu não podia estar ali. E se estava sozinha, e se morava longe, e se me sentia bem, e se dois e dois eram quatro ou quantos eram...
Eu disse: Não se aflija, não precisa afligir-se, estou só a ver se acontece alguma coisa!
"A senhora sabe onde é a sua casa? Quer que a acompanhe?"
Não, obrigada. Eu vou sozinha (estava desolada) e, sim, estou sozinha! É pena que não possa continuar aqui, havia de acontecer alguma coisa!
Pensei que era melhor ficar de bico calado, senão o homem levava-me para um qualquer Magalhães Lemos donde seria difícil sair, segundo se vê repetidamente no cinema. Para poder escapar, tinha que ter extraordinária e habilidosa e organizada inteligência. E podia demorar anos.
Valia mais não provocar o zelo do agente.
Levantei-me e segui na direcção de casa a passo largo, imensamente divertida, enquanto uma afirmação e uma pergunta leve me dançavam na cabeça:
Não acontece nada.
Nada, nada?
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