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Aniversário de Agustina

por Zilda Cardoso, em 15.10.09

 

Há um ano escrevi neste blogue vários textos sobre Agustina na ocasião do seu aniversário natalício.
É do meu gosto voltar ao tema um ano depois, homenageando ainda e sempre alguém que muito admiro e estimo. Adoro recordar os encontros que tivemos na sua casa e na minha ou em casa de amigos ao longo de muitos anos. Marcou a minha vida profundamente não apenas pela sua escrita, mas pelo temperamento. Pelo que ela é como Mulher e como Escritora.
Houve no domingo passado um excelente programa – a Câmara Clara - que homenageou Agustina. A apresentadora chamou para falar dela quem melhor a conheceu e estudou as suas obras, apraz-me ver que é feita justiça às suas excepcionais qualidades de inteligência e de argúcia, de humor, de sabedoria, de curiosidade, de vontade e de coragem de ir mais longe. É profissional de uma competência extraordinária e, ao mesmo tempo, generosa sempre disponível e pronta para ajudar os que começam, aparecendo e dando o seu contributo inestimável para o êxito sobretudo jornalístico dos jovens prometedores.
Uma vez encontrei-a no comboio para Lisboa, admirei-me de a ver sozinha, não devia admirar-me. Disse-me que ia assistir à apresentação de um livro de Inês Pedrosa: era preciso ajudar os mais novos.
Conheço facetas muito interessantes da sua personalidade, desconhecidas do público e que desconhecidas permanecerão.
Contudo, anotarei aqui apenas dois ou três pequenos detalhes.
Em 2003 e em 2004 experimentou uma actividade diferente que provavelmente a divertiu e que talvez os seus biógrafos desconheçam: deu aulas no Instituto D. António Ferreira Gomes, no Porto. Fez dois períodos lectivos: um em 2003/2004 sobre o tema As Respostas Certas e em 2004 por um período de três meses Encontros com Agustina: o Mundo, a Vida e o Homem.
 Assisti ao primeiro. E maravilhou-me. E comoveu-me que, no início da primeira aula,quando entrei na sala, ela já estava sentada, muito pontual e cumpridora, na sua cátedra, risonha e vestida com o cuidado que lhe conheço, se tenha levantado (pareceu admirada de me ver ali) e vindo até meio da sala para me cumprimentar.
Não me espantou o interesse dos cursos: foram lições de vida muito importantes. E do mesmo modo não me espantou a sua curiosidade em descobrir a curiosidade dos outros ou a falta de curiosidade de que se queixava. A maioria das pessoas queria fazer perguntas sobre os livros e as personagens das suas histórias, sobre detalhes sem importância.
Tudo isso, julgo eu, acabou por não ter muito valor para a escritora. Se bem que alguém me tenha dito uma vez, “ela não dá ponto sem nó”, é provável que, desta vez, não houvesse nó. Ou se houve não produziu o efeito desejado. Para mim, foi mais uma generosidade sua em que mostrou o seu lado humano e condescendente.
Disse uma vez numa entrevista que não era pessoa de pensamento. Suponho que quis dizer que não se fechava no seu gabinete a reflectir mas que apreciava “captar a frescura da vida”, “apreciar as graças do quotidiano”, coisas que lhe ficavam na memória e que passavam a motivo de reflexão. Não creio que tenha encontrado ali o que decerto procurava, posso estar enganada. Estarei: ela achava sempre uma graça em qualquer quotidiano. 
Particularmente, penso que deve ser conservada a lenda em redor de Agustina e das suas ideias, das suas atitudes… Todos apreciam um mistério a envolver os seus ídolos.
Para mim, além de todos os méritos de que falei, tem o de ser uma pessoa extremamente inteligente e sábia ao mesmo tempo: é verdade que possui uma sabedoria imensa.
É comum que alguém muito inteligente seja infeliz – não sabe lidar com o mundo, não se relaciona bem com os outros, não os compreende nem é compreendido. Essas pessoas estão sempre a procurar o sentido das coisas quando afinal só a ficção precisa de ter sentido.
Creio que Agustina teve desde muito cedo sabedoria suficiente para engendrar uma estratégia que lhe permitiu ter a vida que quis, uma vida de família diferente que baste da das outras mulheres sem as enormes excentricidades e estranhas experiências que dizem que os criadores devem ter para serem interessantes.

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publicado às 08:17


12 comentários

De Marcolino a 15.10.2009 às 10:04

Olá Zilda,
Quando por aqui passo para a ler tranquilamente, tenho um imenso prazer em deliciar-me com as suas belissimas imagens literárias!
Hoje foi sobre a sua querida Amiga Agustina. Retive: «“apreciar as graças do quotidiano”»
Diz tudo sobra ambas as Amigas!
Dia muitissimo feliz
Marcolino

De Marta M a 15.10.2009 às 14:08

Gostei tanto desta passagem:
"Essas pessoas estão sempre a procurar o sentido das coisas quando afinal só a ficção precisa de ter sentido.."
Faz tanto sentido e é tão realista e terrena.
Obrigado pela "imagem"
Aprendo sempre que a visito.
Marta M

De Augusto Küttner de Magalhães a 16.10.2009 às 08:49

Interessante ver que o próprio Saramago, quer festejar a sua grande "colega escritora"Agustina,
É bom começarmos a ver que apesar de escolhs políticas diferentes há - ou passa a haver, passa a haver é mais indicado - respeito pela qualidade intrinseca de cada um.

De Augusto Küttner de Magalhães a 16.10.2009 às 15:45

Tenho grande admiração pelo António Lobo Antunes, que tenho o gosto de casualmente o conhecer, estou a ler um livro que é o Antonio Lobo Antunes:
"UMA LONGA VIAGEM COM ANTÓNIO LOBO ANTUNES" de JOÃO CEÚ E sILVA. Isto a propósito de escritores. Bons. Muito ons.

De Zilda Cardoso a 16.10.2009 às 19:53

Também aprecio muito o A. Lobo Antunes, diga-me se essa viagem é interessante

De Augusto Küttner de Magalhães a 16.10.2009 às 20:09

Como sabe o ALA ficou um pouco diferente depois do cancru que conseguiu vencer. Este livro foca-se partir daí.
Sendo muito interessante, ver-se/ler-se o que ALA nos vai contando, desde como se inspira, como começa a escrever, que escreve sempre e só à mão, que revê e revê e chega a deitar fora. Não tem nem quer ter computador. Que tem medo de um dia não aparecer inspiração para escrever. Que seria horrível. O amor às filhas. O amor de pai. A relação com os pais, os prémos recebidos. Vale ler. Vale estar, ali com o ALA.

De Romina Barreto a 21.10.2009 às 12:32

Olá Augusto,

folheei esse volume de João Céu e Silva, por acaso até li a Viagem com o Saramago, gostava mesmo muito de ler esse do ALA. Confesso que muitas vezes não consigo acabar de ler os livros do ALA, já fiz três tentativas para ler "O Meu Nome é Legião" e nada, não consigo e, não há volta a dar mas já li com muito prazer o "Hei-de Amar uma Pedra e "Ontem não te vi em Babilónia." Mais do que a escrita dele, eu admiro a sua pessoa e verticalidade, gosto mais de o ouvir em entrevistas e de ler as suas crónicas e descobrir a sua pessoa do que propriamente ler os seus livros, livros esses que são obras perfeitas. Muito Bom!

Abraço,

Romina Barreto :D

De Augusto Küttner de Magalhães a 21.10.2009 às 15:29

Olá Romina

Gosto imenso de ler os seus comentários, tanto aqui como na Laurinda dado que são de uma tremenda oportunidade.
Quanto ao que diz dos livros de ALA, fique segura que não é a única! Bem pelo contrário.
E ao fazer este comentário neste momento, colocou-me numa situação muito delicada….Tive ontem uma troca de opiniões por email com alguém bastante conhecido e conhecedor, que me referiu que lhe parece que neste livro sobre ALA haver uma certa arrogância do mesmo sobre si próprio.
Eu tenho um mau hábito, quando leio livros meus, escrevo nas margens!! E como ainda não acabei este, estou a lê-lo, já tem anotações nas bandas, fui ontem à noite relê-las e assustei-me! A sério! Fiquei na dúvida, na dúvida!!!, se algumas passagens que sublinhei e comentei – de mim para mim - não terão um aporte de arrogância. E não quero acreditar, penso que estou influenciado….pelo que aconselho a lê-lo e depois dizer alguma coisa.
Como é evidente vou ler o livro até ao fim. E quero ficar com a boa impressão que tenho do ALA ainda para mais conhecendo-o pessoalmente.

Um abraço e obrigado pela forma como comenta
Augusto

De Zilda Cardoso a 22.10.2009 às 08:49

Se me permitem... Olá Romina. Olá Augusto.
Sempre achei o Lobo Antunes arrogante, mas isso não diminui o valor dele como escritor. E é do escritor que normalmente falamos, é por por ele que nos interessamos e que admiramos. A arrogância pode incomodar os s/amigos pessoais, não nos deve incomodar a nós como leitores da s/obra. Muitas, muitas vezes, os escritores têm, como pessoas, graves defeitos, incomparavelmente piores do que arrogância, não vamos deixar de admirá-los por essa razão. Porque o que eles nos dão, o que publicam não é isso. Mas é o que publicam que nos interessa avaliar.

De Augusto Küttner de Magalhães a 22.10.2009 às 09:27

Olá Zilda. Estou plenamente de acordo consigo. Mas...ou seja....há uns anos achei o ALA distante dos restantes humanos, algo que depois me apercebi que se tratava de timidez e uma forma de a ultrapasar.
Assim, poucos se aproximavam.
Hoje, e garanto-lhe que quero estar errado!me parece , mas até isto me custa escrever, que é arrogância, no sentido de que sou bom, não sabia que era tão bom, e até já tenho por vários países pessoas – isto vem escrito neste livro – que tentam imitar a m/ forma de escrita. Sou eu.......Bem, eu acho que estou enganado, e que não é arrogânca, mas já não timidez, dado que o tempo o soltou, e a doença o diferenciou.
Claro que o que interessa é o escritor. E tal como o Saramago e gosto mais da escrita de ALA, pode dizer o que quiser da Bíblia, que como não é a area dele não tem interesse, pode dizer o que quiser, não tem significado. Pena dar-lhe a importancia nesta area que não tem......
Quanto ao ALA, espero estar enganado.....
abraço a ambas Zilda e Romina. Do
Augusto

De Augusto Küttner de Magalhães a 23.10.2009 às 16:25

António Lobo Antunes

Estou a continuar a ler o livro “ Uma longa Viagem com António Lobo Antunes “ de João Ceú e Silva, e estou convicto que não há arrogância, errei ao assim pensar, e dou a mão à palmatória, essencialmente depois destas cenas últimas de José Saramago, depois de eu ter gosto de há uns bons anos conhecer pesoalmente o António Lobo Antunes
Acho que António Lobo Antunes tem a sua uma forma de se autodefinir, de se autoconhecer, de nos mostar e vê-se, lê-se ao longo do livro as suas fraquezas, os seus deslises assumidos, mas a sua nobreza, como escritor, mas também como Homem.
Logo, depois da eloquência desnecessaria de José Saramago, ainda fica a esperança merecida que o António Lobo Antunes possa vir a receber o Nobel da Literatura. Mas se o não receber, não tem problema, o seu valor já está mais que provado.
Tem um grande carinho pelas filhas, pela mãe, pelos avós, até pela vida depois de ser atacado aquilo a que o próprio apelidou de “puta do cancro” algo dentro dele, que não podia matar com uma G3 por não estar fora dele.
António Lobo Antunes, lê, escreve, escreve, escreve, escreve, lê, e vai ficar na, e, para a história, como o melhor escritor da lingua portuguesa dos anos 80 em diante do seculo XX, e de grande parte do seculo XXI, e não será esquecido, bem pelo contrário será seguido, copiado, imitado.

Bem haja António Lobo Antunes

De

Augusto Küttner de Magalhães

De Romina Barreto a 21.10.2009 às 12:25

Querida Zilda voltei, boa!
Obrigada por este texto sobre a Agustina, gosto muito muito dela, da sua escrita religiosa, magistral e da sua delicadeza. A Agustina é provavelmente uma das pessoas que eu mais admiro actualmente na Literatura Portuguesa. Li quatro livros Dela, lei-os repetidamente e com o mesmo entusiasmo e a mesma gratidão de sempre. Tenho a íntima sensação de que aquilo foi escrito só para mim como disse uma vez António Lobo Antunes de quem também gosto muito. Em Janeiro, julgo eu, a LER publicou uma grande entrevista com a Agustina, ainda a tenho cá em casa religiosamente guardada dentro de uma caixa misturada com poemas de Sophia, recortes de Sophia, textos de Tolstoi e Yourcenar e fotografias dispersas no tempo. Essa caixa é radicalmente importante para mim porque lá dentro está quase a minha vida, as minhas relíquias. Oitenta rosas para a Agustina.

Abraço,

Romina Barreto :D

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