Fui ouvir os ensinamentos de Jigme Khyentse Rinpoche. Admirei a forma como iniciou a sua palestra: contou como tudo começou para o budismo. Não vi logo qual a intenção, toda a gente conhece a história do príncipe que quis sair do palácio e observar o mundo. Para quê repeti-la?
Logo a seguir, pensei que melhor e mais inteligente maneira de principiar um ensinamento? Do princípio do princípio?
Jigme Khyentse contou histórias simples, pequenos exemplos de vida de todos os dias de todos nós. A história do sapato que alguém enterrou em porcaria de cão ao passar no passeio, provavelmente aqui na Foz, não será facilmente esquecida. O sapato ficou sujo e malcheiroso e...
Vai esse alguém ficar a sofrer o aborrecimento e o mau cheiro do sapato, levá-lo assim para casa, contar aos amigos a ineficácia dos serviços públicos de limpeza, queixar-se aos próprios serviços, aos superiores hierárquicos, talvez falar para os jornais?
Ou vai tirar o sapato e lavá-lo na primeira torneira que encontrar? E se restar algum cheiro quando chegar a casa, vai escovar e lavar até tudo estar como era?
Talvez devamos fazer uma reflexão sobre o modo como posso evitar que o caso se repita, no caso de ser este o meu caso. Devo deixar de passar por aquele sítio? Posso passar, mas a olhar para o chão para ver bem onde ponho os pés, como os meus pais sempre me aconselharam? Devo pedir aos donos dos cães para utilizarem os sacos de plástico apropriados para a recolha dos dejectos?
O que devo realmente fazer para evitar o meu sofrimento?
Percebi que devo lavar o sapato, em primeiro lugar, lavar bem. E talvez seja boa ideia passar a usar sapatos com as solas muito lisas para ter menos trabalho com a limpeza.
Como gosto de passear naquele sítio e olhar para as árvores e para os pássaros e para as nuvens, vai-me ser difícil olhar ao mesmo tempo para o chão.
Talvez deva procurar nova solução para evitar o meu sofrimento? E o dos outros? Devo preocupar-me com isso? Ter compaixão?
Ou cada um deve resolver os seus próprios problemas sem precisar de Governo nem de Presidente?
Isso seria para todos nós um grande alívio, neste momento.