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Estive na Índia há alguns anos com um grupo excelente que me permitiu entrar nos palácios e conhecer as melhores casas e as grandes famílias. E ser recebida por gente excepcional, ligada à cultura portuguesa. A visita do grupo centrou-se em Goa, naturalmente.
Falarei um dia desta viagem que se não repetirá… do que me ficou dela.
Recordo hoje uma grande amiga que conheci e com quem privei em Goa, uma senhora extraordinária pela sua generosidade para com a humanidade inteira. Residia em Margão e, todos os dias em que estivemos na região, fomos recebidos calorosamente no seu solar, a meio da manhã, antes de partirmos para qualquer aventura, com muitos sorrisos e carinhos e um sumo de fruto exótico que nos era posto literalmente nas mãos. Ou um chá inexplicável que mesmo com uma pontinha de leite não perdia a bela cor castanha dourada, e que mais ninguém sabia fazer tão bom. Ou então havia um fruto, possivelmente papaia ou manga, colhido no jardim naquele momento e que nos era apresentado delicadamente como alguma coisa fundamental para a nossa vida e que não podíamos perder. Não podíamos, de facto: o sabor não tinha nada a ver com o dos frutos semelhantes que compramos no mercado. Neles procuro sem êxito o perfume e o gosto dos de Margão.
Fiz a mim mesma a velha pergunta: Por quê eu? Mereço todo este carinho?
Logo depois compreendi que para a Telma, toda a gente merecia carinho, solidariedade, gratidão.
Era extremamente discreta e, no entanto, a sua actividade multiplicava-se: era uma mulher de acção. Na sua casa, podia cozinhar, bordar, arranjar flores... e executar com paciência qualquer outro trabalho, mesmo muito simples ou duro. Desde que pudesse ser mais agradável para alguém feito por ela, fazia-o com gosto.
Oriunda de uma família nobre do norte de Goa, os Pinto de Candolim, mas nascida em Belgaum, estudou nesta cidade, onde se licenciou. Trabalhou alguns anos em serviços administrativos e como professora. Falava várias línguas, sabia cantar e dançar, foi concertista e excelente professora de piano, interessada no aperfeiçoamento dos seus alunos numa dimensão muito humana.
A minha amiga Telma, casada com o Juiz Eurico Santana da Silva, era cheia de amor e devoção à sua família e aos amigos. Desejava que todos estivessem felizes em cada momento, e trabalhava para isso com o que poderia ser chamado espírito de sacrifício. E como não esperava que as dificuldades se resolvessem por si, aperfeiçoou-se em conciliação e no governo de conflitos.
Quando três dos seus filhos decidiram ficar em Portugal, onde todos estudaram e tiraram os seus cursos, ela passou a vir ainda com mais frequência visitá-los, ajudar, privar com os netos entretanto nascidos, vê-los crescer. E, se até ao seu nascimento, tinha sido mãe a 100% passou a avó a 150%. Escrevia histórias para eles e enviava-as por correio, endereçava-lhes recortes de jornais com imagens ou histórias que lhes poderiam interessar, telefonava todos os dias...
Mas agora, a Telma não está.
Um brutal acidente de viação nas estradas problemáticas da Índia criou de um momento para o outro um vazio enorme nas vidas dos seus familiares e amigos.
Foi uma perda irreparável que abalou a nossa vida - as vidas de todos que a conheciam e estimavam, os que a amavam e que, num primeiro momento, terão chorado sem compreender. Porém, esses que aprenderam com ela a transformar o sofrimento, são agora mais compassivos e solidários.
Todos sabem que, ao permitir que os outros desabrochassem, ela ajudou a criar uma sociedade melhor.
Por que havia outros para a Telma.
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