Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
O meu neto (o que nasceu com este blog) está doente. Será uma gripe daquelas e ele sofre e toda a família com ele. Não posso deixar de pensar que os médicos são umas pestes e não compreendem nada de nada. NADA DE NADA.
E fico a olhar para ele e a não saber como ajudá-lo. Vejo um rosto que desconheço, olhos que não são os dele, antes enormes e verdes e agora pequeninos e estranhos com uma sombra castanha e redonda a toda a volta. Respira mal, tosse de vez em quando, ainda espirra, não liga muito aos brinquedos, fecha os olhos durante um tempo. Perdeu as rosas sobre o branco da sua face.
A mãe tem-no sempre polido, asseado, penteado, aconteça o que acontecer. Na cabeceira da cama, há bonecos amorosos de tecidos suaves, cores a condizer com as do pijama. Os cortinados, as paredes, as roupas de cama, os móveis... tudo cheira bem e, como se diz na gíria, é lindo de morrer.
A casa é graciosa, limpa e organizada pela Mariana segundo padrões rigorosos e um gosto moderno e harmonioso. Não é possível abrir uma gaveta ou a porta de um armário e ver algo fora do sítio. Tudo tem o seu lugar segundo a cor, a forma, o material de que se compõe e o fim a que se destina.
Os quartos de banho têm frescos de flores e de paisagens nas paredes e a cozinha combina a maior funcionalidade com uma beleza indiscutível.
O ambiente não está contaminado por excesso de objectos e há uma relação perfeita entre os modernos e os antigos, os que fazem sorrir e os puramente utilitários, os artísticos e os… quais?
É um deleite estar em sua casa, é apaziguante, sabendo embora quanto esta ordem custa a manter sobretudo quando poucos estão dispostos a contribuir, muito pelo contrário, para haver e poder proporcionar esse prazer e essa serenidade.
É um mundo aparte, novo e cor-de-rosa, permanentemente no primeiro lugar de qualquer quadro de honra rigoroso e justo. Apenas espero que esta ordem se não transforme numa obsessão para a Mariana.
Dou corda aos bonecos que pairam sobre o berço e ouve-se “quand trois poules vont au champ /la première marche devant…” Ele escuta em silêncio, depois dá uma pancada num dos elementos do conjunto e todos rodam – a plêiade de estrelas, o crescente da lua, os ursos abraçados ao patinho feio “for ever friends”. A música pára e ele entusiasma-se por momentos com este mundo que não tem um sol, e também não faz mal – o Sol é uma estrela de “irrelevância cósmica”. Mas existe uma nuvem que eu acharia simpática, branca e risonha, densa de moléculas que o impede de observar as estrelas que estão por trás.
Visivelmente, o meu novel neto discorda de mim: dá uma forte pancada na lua pálida com olhos azuis e boca de riso, a nuvem gira com ela e as estrelas aparecem no seu horizonte.
Com o entusiasmo vem a tosse e um grito de desgosto.
Sinto pena e interrogo-me: Que será deste cosmos amanhã?
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.