Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
A CASA DA EIRA,
MOLEDO DO MINHO
(projecto do Arq. Álvaro Siza Vieira)
As casas e o terreno foram comprados há 18 anos. Nessa época estava tudo abandonado desde muitos anos, as austrálias cresciam por todo o lado e as canas grossas, as silvas, as heras. Havia um pedaço de muro caído e foi por aí que penetramos no lugar, a golpes de machado, até duas frondosas ameixieiras, carregadas de frutos dourados e sumarentos. Não havia folhas visíveis, só as ameixas mais saborosas que alguma vez existiram fosse onde fosse.
Foi o que nos decidiu.
Não vimos mais nada. Quisemos saber a quem pertenciam aquelas duas árvores e partimos daí, dessa informação, para uma luta que era forçoso vencer.
Não foi difícil: realizámos a nossa compra a uns herdeiros desinteressados por mais ou menos 30 contos.
Disseram-nos então que havia duas casas e mais tarde descobrimo-las. Não tinham qualquer valor arquitectónico , mas quando pedimos ao Arq.to Siza Vieira para as ir ver, ele ficou encantado. Eu tinha-lhe dito que não me importava que deitasse abaixo uma delas mas gostaria que conservasse a outra. É claro que ele respondeu: “Vamos conservar as duas”!
Foi assim que começaram os nossos trabalhos com estas casas rústicas e muito modestas, humildes.
Trabalhos muito variados e especiais. Como seja: da minha parte houve um esforço de conciliação tremendo entre as diversas partes – o arquitecto, o empreiteiro, o proprietário que muito dificilmente se punham de acordo. Houve grandes discussões que terminaram em grande amizade e respeito. O arquitecto é um homem cultíssimo e bem-educado que sabe o que quer, mas vai ganhando certa capacidade de diálogo.
Já nessa ocasião era muito celebrado no estrangeiro, se bem que os portugueses o ignorassem. Há cerca de dois anos, contou-nos ele que um seu projecto tinha sido rejeitado por instâncias oficiais por falta de curriculum!.
Álvaro Siza depois de sentir o lugar, de esperar pela inspiração e pelas ideias faz um esquisso ou vários estudos, desenha com pormenor e depois constrói maquetes. Mesmo assim, a maior parte do trabalho é feito no lugar, observando, tomando notas, experimentando.
Com as casas “quase” prontas, três anos depois, começou a romagem de arquitectos isolados ou de grupos de todo o mundo – vêm fotografar, tocar, extasiar-se.
Tem muita graça, pois de facto alguém desprevenido ou pouco sensível aos valores estéticos não se apercebe, não se dá conta da importância da obra.
Devem reparar na pureza de linhas estruturais, nos ângulos que algumas aberturas permitem, garantindo um caminho para a luz, talvez também fossem para a sombra. Garantindo um prolongamento da casa no jardim a que as árvores decrépitas, a vinha velha e os muros tremidos, dão um ar, muito romântico e minhoto. Reparem na facilidade com que ele harmonizou o moderno com o tradicional sucedendo-se as formas (os volumes) de forma inesperada, mas em ritmo agradável. Significa que o arquitecto foi sensível ao contexto, mas que o seu trabalho se distingue dele sem o esquecer, quero dizer, usou o vernacular português harmonizando-o com os novos modelos. Sem espectaculares invenções, foi transformando o que encontrou atendendo ao sentido da história numa excelente relação arquitectura-natureza.
Da nossa parte, não alteramos muito o seu trabalho, embora consideremos que os espaços sóbrios que ele criou são para a nossa intervenção. Mas também apreciamos um certo purismo, um despojamento e não suportamos aqui nem muita decoração nem conservadorismo.
Aprendemos a gostar da poesia destes espaços tal como estão concebidos e temos a sensação de experimentar assim a beleza essencial para além do funcional e do confortável.
Zilda Cardoso (texto de boa memória, escrito por volta de 1975)
(continuado)
Traçados os contornos daquilo que queremos que seja a nossa vida, o nosso projecto pessoal, não é difícil saber que valores se integram e que outros ficam de fora. Em consequência da definição, saberemos como harmonizar o nosso desejo com o dos outros.
O mesmo se passa com um povo, com uma sociedade que se organiza, se civiliza, que se define quando estabelece uma ordem de valores. Tornar-se-a anárquica se não houver valores em que acreditemos e leis que nos restrinjam mas nos coloquem dentro do projecto da sociedade em que vivemos.
A televisão que entra em nossas casas com o maior à-vontade e insidiosamente, não pode satisfazer apenas os interesses dos que ganham a sua vida produzinda, realizando, interpretando publicitando, investindo em programas cujo interesse é apenas o do MERCADO sem atender a considerações de outra ordem.
Se bem que sejamos uma sociedade liberal e consumista ou a viver como tal, as leis do mercado não podem ser as únicas a que devemos submeter-nos. Apesar de poderosos, os investidores são minoria em comparação com a massa dos espectadores/consumidores (ou dos que os representam) e que usufruem para seu bem ou para seu mal a beleza ou o horror dos programas. É a sua vontade não aleatória mas interessada e conhecedora que deve ditar as regras..
Os governantes que escilhemos por maioria para decidirem por nós têm um programa que devem cumprir, leis em vigor e estão obrigados a levar a efeito aquilo que prometeram e se espera deles - gerir a vida social de modo que possamos vivê-la harmoniosamente. Tal como acontece com a vida familiar... Devem fornecer códigos de comportamento em que os valores colectivos fundamentais sejam respeitados. O que supõe regras muito diferentes das que haveria se cada indivíduo pudesse viver isolado.
(continua)
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.