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O (meu) cão do meu vizinho

por Zilda Cardoso, em 30.03.21

        

          Bobby, o cão do meu vizinho, só na curta visão do Código Civil é do meu vizinho.

Pela razão metafísica das coisas, o Bobby não é do meu vizinho: é meu.

O cão do meu vizinho levam-no todos os dias a cheirar os candeeiros do jardim.

Olhando-o da minha janela, levo-o eu pelo azul do céu até ao reino encantado de onde vem a razão de ser dos cães e das flores. E imagino que prefira voar comigo para além do arco-iris a cheirar os candeeiros do jardim.

               Olhando-o da minha janela, penso como São Francisco pensava cães e bichos menores; e o cão do meu vizinho sacode o rabo, inteligentemente.

        Olhando-o da minha janela, vejo no Bobby uma criatura mais leal e humilde do que o meu vizinho, que o tem. O meu vizinho não irá para o céu; o Bobby há-de ir para algures reservado aos humildemente honestos da Criação, que não é o céu, mas um estado de absoluta placidez que dá aos cães um lugar de primazia.

       Olhando da minha janela, eu lhe falo pelas linhas silenciosas do espírito. E, porque ele finge não responder, melhor o compreendo.

         Olhando-o da minha janela, dou-lhe mil vezes mais do que o osso e o candeeiro, rebolando partilhadamente nos prados do sonho a alegria de que seríamos capazes.

E, contudo, quando morrer o meu vizinho, será dele que o Bobby sentirá a falta. E procurá-lo-á no escuro.              

                                    Simões Netto

Texto de Simões Netto, a quem agradeço.

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publicado às 15:16

Pensadora/escritora

por Zilda Cardoso, em 26.03.21

 

Vejo-me como pensadora que regista o que pensa (um pouco do que pensa) escrevendo. Sem outra pretensão que não seja tomar nota para não esquecer.

Não sei pensar que não seja com palavras e as palavras não gravadas perdem-se, escapam-se rapidamente para sempre. É constrangedor!

Não conheço maneira de evitar a sua perda imediata que não seja escrevendo logo que surgem, também para que se não perca a sua frescura, o seu valor talvez. Outros pintam ou fotografam ou esculpem… Ou cantam.

Para mim, é um recurso, uma conveniência, mas também uma necessidade natural. Escrever foi desde sempre para mim a mais natural forma de comunicar sem comunicar como era do meu agrado.

Aconteceu um dia, alguém inesperadamente ler os escritos. Propôs-me e aceitei a oportunidade de publicar.

Desde então houve uma quase revolução na minha escrita. Trata-se agora de comunicar de certa forma, revelando-me sem revelar senão o que tenha graça – sem precisar de ser verdadeiro.  

Porque penso no leitor possível e procuro agradar-lhe, dar e ter prazer, escolhendo as palavras para que sejam divertidas não aborrecidas, mas também claras, resultado de um pensamento que só é lógico e sensato quanto baste para se não perder de todo a comunicação. Apesar de procurar sempre uma coerência interna na minha “história”, se é que se compreende o que quero dizer!

Para seduzir, devo juntar-lhe outros ingredientes. Tenho que escrever doutra maneira. Não pensar diferentemente, mas escrever como ninguém escreveu antes (que sonho!).

Já não se trata apenas de nomear ideias que fervilham na minha cabeça e das quais não sei falar com ninguém em voz alta. Ou de modo que se ouça.

Trata-se de agradar com um trabalho que diz muito para além do que diz. Cabe ao leitor descobrir o quê.

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publicado às 19:31

Pistas culturais

por Zilda Cardoso, em 26.03.21

Pistas culturais para portuenses antes de 2001  (3)

Texto de Jorge Cardoso

 

Enfim, não há uma só cultura… uma só arte, há culturas, artes e

sem dúvida diferentes formas de abordar e participar no fenómeno cultural.

Interessa-me que os espectáculos mais clássicos tenham muito público e que as experiências vanguardistas (sobretudo estas) tenham somente um pouquinho mais de atenção.

A questão é dupla:

  1. por um lado, divulgação
  2. por outro lado, interesse de quem, apesar de tudo, recebe a informação.

É que a informação pode estar “escondida” mas não tanto… e só se transforma em acção (ir ver o espectáculo) se houver sensibilização para…

Daí as pistas que referia em título e que proponho abordar em próximas intervenções… Ah! Queriam ficar a saber tudo de uma só vez… têm que esperar… não sabem que têm que esperar! ((esta frase não é de um replicant nem aparece no Blade Runner))

(texto cedido para publicação pelo seu autor a quem agradeço)

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publicado às 10:50

Bons conselhos

por Zilda Cardoso, em 25.03.21

Há anos, deram-me estes bons conselhos que também recomendei:

 

Abra o seu coração

Partilhe

Aproveite cada instante

Sorria interiormente

Aceite a mudança

Estime-se

Confie em si

Recue

Tenha compaixão

Agradeça

Confie na vida.

 

Procurei segui-los. Segui-os quase todos. Posso garantir que resultam.

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publicado às 17:52

Pistas culturais (2) para portuenses antes de 2001

por Zilda Cardoso, em 25.03.21

O prazer da surpresa a cada momento vai criando uma espécie de snobismo no espectador… um tal distanciamento face aos eventos culturais “tradicionais”. Será ainda capaz de apreciar um espectáculo “normal” sentado numa cadeira, sem ser envolvido/empurrado/conduzido pelos actores/performers?

Como exemplos do que tenho vindo a falar:

  • quantas pessoas conheceram o “projecto yô-yô” no solar dos Ferrazes, na Rua das Flores?
  • quem presenciou “Biodegradável”, solo de Joclécio Azevedo, do N.E.C. (Núcleo de Experimentação Coreográfica) no Mercado Ferreira Borges?
  • e no antigo edifício das Moagens Harmonia, “Caleidoscópio” pelo Teatro Bruto?
  • Ou “www war war war” de Igor Gandra no Balleteatro?
  • e finalmente, o continuado projecto “WC container” num quarto de banho do edifício Artes em Partes, em Miguel Bombarda?

Texto de Jorge Cardoso

(Continua)

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publicado às 15:43

Pistas culturais

por Zilda Cardoso, em 24.03.21

Pistas culturais

para portuenses antes de 2001

 

de Jorge Cardoso

 

Tenho tido a sorte e o privilégio de assistir a inúmeros espectáculos/manifestações culturais no Porto, com maior intensidade nos últimos anos.

Alguns tiveram assistências satisfactórias; no entanto, os mais estimulantes e originais foram presenciados por um reduzido número de iniciados.

Obviamente, não ocorreram nos espaços mais conhecidos (Rivoli, Serralves, S. João…) nem tiveram divulgação generalizada.

Em certos casos tive a sensação de que era o único espectador (no sentido rigoroso do termo) porque as poucas pessoas à minha volta ou estavam ligadas à organização ou eram amigas dos actores ou conheciam a encenadora ou…ou…

Aliás o embaraço das improvisadas portarias/bilheteiras em encontrar trocos levavam-me a concluir que devia ter sido o único a comprar bilhete!

E, no entanto, assisti a pequenas maravilhas… momentos não registados (não filmados, não fotografados, não gravados) e que se vão perder no tempo… (esta frase é de um replicant no Blade Runner) a não ser o que restar de forma subjectiva e esfumada na memória de alguns…

Depois vai-se criando o hábito… o gozo de continuar a descobrir e participar nestes eventos marginais… Alguns lugares (antigos pavilhões industriais, casas abandonadas…) são fundamentais para o efeito pretendido.

Os espetáculos são naturalmente híbridos: não é só dança, não é só teatro, mímica ou videoarte. Há muito que, felizmente, se quebraram as barreiras entre as artes. Por outro lado, nestes locais também não há uma distinção entre espaço cénico e plateia. Compete-nos circular, procurar onde as coisas estão a acontecer (…”happening”?...).

(continua)

Texto de 30-10-2000 gentilmente cedido pelo seu autor.

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publicado às 11:35

Esperança de entendimento

por Zilda Cardoso, em 21.03.21

 

Pensa-se muitas vezes que aquele que está só, não pode estar feliz porque sente a solidão como desamparo. Mas não é necessariamente assim.

Acontece que estou muitas vezes só e perfeitamente bem.

Sei que não estou abandonada, o que me levaria a um estado de mágoa e descontentamento.

Porém, há ocasiões em que simplesmente quero estar só.  Necessito em absoluto disso, periodicamente, por temperamento, ou por circunstâncias de ordem social. Ou por força do trabalho que estou a realizar.

De qualquer modo e, mesmo neste último caso, não desejo estar só que não seja por tempo determinado e curto. O necessário. Ou cairia no receio da espécie de solidão que não pretendo.

Quero dizer, se não abandonei nem me abandonaram – não há razão para solidão e tristeza. Só que o trabalho é exigente, preenche-nos, queremos entregar-nos inteiramente a ele. E isso apenas é possível em silêncio e solidão.

Verdadeiramente, um escritor moderno, tal como o pintor abstracto, pretende e sonha criar uma linguagem nova, o que torna o seu trabalho difícil. Não se trata para ele de contar uma história – as histórias estão todas de há muito contadas.

É que o material que usa nas suas criações é o mesmo que toda a comunidade utiliza, é a língua que foi construída para que as pessoas comunicassem entre si e, portanto, todos conhecerão o código.

Se o escritor criativo deturpa a língua e assim escreve, ela torna-se indecifrável, não comunica. Ele apenas deturpou a língua, criou talvez uma língua nova, mas...

Será esse o seu prazer e o seu trabalho, a sua justificação.  

Apesar de tudo, ele quer comunicar qualquer coisa que se acorde com a sua visão de um mundo desordenado e incompreensível que é o seu, no seu tempo, um mundo provavelmente em crise. E que decerto mostre mudança de mentalidades.

Como usar uma língua velha e conhecida que participa de uma cultura ancestral para uma escrita que só pode interessar se for uma linguagem fresca numa língua nova logo modificada, modernizada, deturpada?

Será um trabalho difícil e ambicioso que exige concentração, solidão e silêncio. Interior e exterior.

Irá surgir uma nova escrita pos-covid 19 que conservará um vago sentido conhecido que será um reflexo, uma recordação do antigo código da língua. Talvez com subentendidos e metáforas.

Haverá também um esforço de compreensão do leitor/conhecedor.

Chegaremos a compreender se nos esforçarmos.

É uma esperança de entendimento.

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publicado às 17:20

Um velho tema

por Zilda Cardoso, em 13.03.21

 

Ocorre-me que estamos permanentemente em crise. Não porque não saiamos da crise nunca, mas porque não apenas a significação do termo é muito variada como se aplica aos mais mudados temas. Conforme o modelo de crise, o sector onde a crise se instala… varia de todas as formas, de dimensão e de gravidade.

O interessante é que se sabe que, seja ela como for, vai passar.

É sempre temporária.

O que se segue a esse período dependerá de nós, de todos aqueles que a sofreram, de como a sofreram e sobretudo de como se prepararam para o período seguinte. De como a pensaram e receberam o estímulo e o podem aplicar ao seu próprio caso ou se se aplicará à comunidade, ao país ou ao mundo.

Surgirão situações muito interessantes que nos levarão a pensar não talvez que o sofrimento tivesse valido a pena, mas que…talvez… afinal tivesse mesmo valido a pena! Apesar de toda a dor que provocou.

É a mudança e é a motivação para a mudança.

E de que forma notamos as diferenças e nos preparamos para, ultrapassada a crise, vivermos melhor num mundo melhor ou, pelo menos, desigual?

Sabemos qual o nosso lugar no mundo. De que forma estamos todos dependentes uns dos outros, com máscara ou sem ela.

Não estamos aqui para o dominar nem para o destruir, mas e apenas para o desfrutar.

Estamos para o estimar.

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publicado às 13:51




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