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Temos no Porto muito perto do Jardim do Calem, a Ribeira da Granja que desagua no Douro, e o meio do rio com o seco na maré baixa que permite observar a passarada exótica e a nascida por aí, a que emigra e a que fica, se refresca e se alimenta, se diverte e conversa amigavelmente por horas.
Distraio-me com as suas danças, com os banhos na água transparente (quando é…), com as suas lutas de sobrevivência.
Há no Jardim um observatório de aves com telescópio (havia) e um excelente painel de informação com imagens das aves que ali vivem sempre ou uma parte do ano, recortadas em aço inoxidável e cravadas na placa.
Sei há poucos anos da existência deste lugar, nunca antes tinha reparado, embora fosse desde sempre apaixonada pela cidade. Alguém me falou nas pernaltas - as garças reais, nas gaivotas pequenas de patas amarelas, nas rolas do mar, nos corvos marinhos, nos patos selvagens…
Passei a frequentá-lo com muito entusiasmo e venho de lá sempre mais conciliada com o mundo.
Não é preciso ir à Polinésia para desfrutar de um lugar paradisíaco.
Mas hoje tive um grande desgosto.
A Ponte elegantíssima que fazia do Porto a feliz Aldeia da Ponte Nova, que unia nas proximidades deste lugar as duas margens do rio Douro e as duas cidades, Porto e Gaia, não estava lá.
Mas ela faz parte da paisagem, como pode não estar lá?!
Do lado de Gaia há o cais, o arvoredo encaracolado, as casas coloridas e empilhadas nos pequenos montes, os palacetes, os templos, as escadarias…
Deste lado, há o famoso jardim do Calem.
Mas a Ponte?!
Os barcos de velas brancas ou de azuis, os de remos, as lanchas com motor, as minúsculas ou muito grandes embarcações continuam a passar serenamente na água azul.
Mas a Ponte, nosso brilhante orgulho provinciano, não está lá!
Dizem que sou privilegiada, penso que o conquistei: este lugar.
Vejo um mundo imenso da minha janela.
É verdade: imenso! Parece infinito.
Continuo a vê-lo, apesar dos acontecimentos recentes: mar, rio, rochas metamórficas, areia crestada, terra/cidade dura e sólida e nuvens brancas sobre céu azul quase transparente e líquido.
O Sol, todos os dias, escolhe este sítio para se despedir em formosura e faz-se dourado intenso e luminoso, ofuscante.
Nada mais belo do que um pôr-do-sol assim.
A passarada, que há muito não é exótica, vem, na ocasião, dar uma última volta por aqui antes de recolher visivelmente divertida, para os lados do parque da cidade.
Gostava de saber explicar por que razão as cores se vão esbatendo com o decorrer do dia até desaparecerem de todo: apreciava poder elucidar tantos outros complexos prodígios!
Acho que a maneira mais acertada e próxima da verdade-que-nos-preocupa, será criar um mito inteligente que seja aceite e possa sê-lo por pessoas incrivelmente inteligentes e responsáveis. Porque na narração fantasista estará tudo, todas as explicações possíveis, sem contestação e fáceis de entender, satisfatórias, pelo menos, para essas pessoas.
O mito bem pensado será a única verdade que nos é possível inventar.
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