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Estou a esforçar-me por pensar. Não devia ser difícil, porque difícil é parar de pensar.
Parece que não é possível suspendermos o pensamento. Já tenho tentado. Falei a outras pessoas para que tentassem. Não será possível.
Mas não me refiro a esse tipo de pensamento a que G. Steiner chama “o refugo e o lixo” e “o bric-à-brac” da nossa corrente mental. Falo do que ele considera um pensamento de primeira ordem capaz de produzir um texto de “criação”. Um texto que traz imanente um processo de criação. E o dissimula.
Percebo o que ele quer dizer.
E considero que, nestes dias, tenho tido, tudo o que é necessário para produzir um tal texto. E escrevê-lo. As circunstâncias mais propícias. Ora vejam: estou só, há silêncio por aqui, sou livre e independente. E aparentemente não me falta capacidade de sonhar.
Tive uma ideia, de súbito, pela manhã. Mas é uma ideia?
Não é uma ideia definida… capaz de ser concretizada. Persigo-a, no entanto.
Nada me impede de me concentrar. Nenhum estranho… nenhum pensamento estranho… Ou sim. Talvez algo me perturbe, algo mais próximo, não sei.
Mas não há uma ideia...
Há uma intuição esquiva, não encontro palavras para exprimir, para dizer, para explicar. O que quero dizer, na verdade? Que palavras posso usar para dizer o que quero? Apenas sinto que há qualquer coisa que transcende…
Não sei donde veio, mas surge-me como uma emoção singular e iluminante com existência num algures indefinido.
Porém, sem palavras… como posso construir?
Era esse texto que eu queria pensar e escrever.
Deste lugar
deslizando sairei
sobre o azul do mar
numa vela branca.
Ou cavalgando
aquela gaivota
recortada num azul polido
sem vento nem nuvem.
Ao som de música suave e tépida.
Porque sonho viver
num lugar do horizonte
entre céu e mar
muito além
ao longe
entre azuis.
Em movimento para mim,
sem cor definida
mas desejando-se fluida,
ondeia em várias diagonais
ocultando o seu interior
espumando contra rochas antigas
sem outro sentido e sem clamor
(estilhaçando-as em pedaços perdidos
rochas agora novas na praia crestada).
É o mar que vagamente
se deixa penetrar e passam
os veleiros, os de pesca e os outros
em sentido inverso até ao horizonte.
Então o Sol quase no poente
desvia as nuvens, reverbera na água
vem iluminar o meu regaço
como em pleno dia.
Quer clarificar ainda
e não percebi o quê.
Mas tudo fica nítido
perto de mim:
o poema de O’Neill
e o papel branco tao claro
no meu espaço.
Há uma música de fundo: precisamente os leques das folhas abanando e tocando-se e a água da chuva tombando, os pássaros ora discutindo ora rezando…
E, muito próximo, vozes ininteligíveis e inconsistentes, in-significantes, seja, sem significado para mim, um conjunto de vozes amalgamadas apenas …
Fecho-me no quarto, fico a observar o movimento das mesmas espécies, só o movimento, como sobre um palco, e parece-me uma dança popular, expressiva, alegre, redundante. E também nua, em certo sentido.
Saio para a varanda, onde um casal de aves parecida com pombos, a que chamarei pombos, arrombou o telhado para fazer o seu ninho bem escondido e sem necessidade de grandes trabalhos de arquitectura. Quase tudo estava lá antes - foi necessário usar a imaginação e quase nenhuns outros materiais.
Muito inteligentes estes pombos mauricianos!
Em Anse La Raie, Ile Maurice
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