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Esta manhã, os meus pensamentos saltitam de ramo em ramo sem que encontrem o tronco comum: estes são ramos soltos.
Onde estará o meu ninho, o que me permitirá pousar e reflectir? Encontrar o fio… sempre tão frágil… que me leve lá… onde quero ir?
A água corre, cai de degrau para degrau, o vento empurra as palavras, umas contra as outras, sempre para o mesmo lado, obstinadamente.
Assim foi toda a manhã.
Os pássaros negros, um pouco tontos não parecem particularmente felizes.
Estavam muito desejosos, mais desejosos de construir ali mesmo na minha varanda! Logo que o jardim se iluminou, pela manhã, começaram a produzir ruídos roucos e com muito sentido.
Vejo que não há tílias por aqui nem paz perdida. As árvores são todas feitas de sol, sem perfume, exibem genuíno esplendor e as folhas são feitas também de vento e de fantasia.
Falam todas de viagem - as árvores, as folhas - viagem sem destino, sem recomeço.
(Velhas recordações da Ilha Maurícia)
Nestes lugares, parece haver uma feia tirania do vento ainda que muito moderada pelo sol acolhedor, pelo coro de belos pássaros coloridos e pela beleza e leveza das flores – os hibiscos monumentais cor de rosa forte e único.
Mesmo como muito antiga recordação, sinto sempre o seu autoritarismo com afáveis alterações.
As danças dos coqueiros parecem-me num momento grotescas sem serem risíveis. Mas são antes patéticas!
E no momento seguinte e de súbito, um estranho e duro ruído faz-me querer observar o jardim de perto.
Choveu outra vez, por um minuto. Logo a seguir, o sol brilhou intenso e a dança dos coqueiros mudou de ritmo. Talvez agora fosse a “lambada”.
Sentia tudo isto, o que me era oferecido na Ilha Maurícia, como um espectáculo em meu benefício.
E Inverno aqui e não sei se época festiva. Para mim é decerto uma outra vida. E o lamentável da dança dos coqueiros talvez tenha afinal um sentido.
É a variação o sentido.
Nestes dias de isolamento por pesarosas razões que quase compreendemos, e apesar do sol que todo o dia aqui brilhou, da paisagem que terá inspirado bons artistas que eu calculo estarem atentos, apesar de tudo isso ou por essa razão lembro-me dos dias passados há muitos anos na Ilha Maurícia, em Anse La Raie, no Índico.
Hoje, continuo na minha varanda em frente ao Atlântico em clausura, na Foz do rio Douro, onde a água também é intensamente azul e cintilante, as ondas são rendadas de branco e espuma, há barcos e barcos tranquilos, de pesca e cargueiros.
Lá, apesar de ser Inverno, o tempo era luminoso às 6 da manhã, se bem que logo depois acontecesse o céu enovoar e cair uma chuvada veemente de trinta segundos, seguida de um vento que limpava o céu e restituía o azul intenso a toda a paisagem.
Nesse então, o sol queimava e recordo um dia em que decidimos ir à pesca para cá dos recifes num pequeno barco a motor. Pescamos seis “vielas” e ficamos uma hora a balançar na água límpida do Índico, respirando ar puro natural e rezando shellyanos poemas.
“Ça sent bon, quoi!”
Apenas quero falar do que não deixará raízes.
Simplesmente me interessa isso e o que não partiu de raízes.
Assim, falarei do que é superficial e vago, indecisamente azul e odorífero.
Se nos é dado viver um dia de cada vez, não sei por quantos dias, então é assim que deve ser - sem pensamentos difíceis nem de passado nem de futuro. Cada coisa é o que é e nada mais; sem razão para querer ir mais longe ou/e mais fundo.
Por que havia de querer saber o que está para além? Como se este espaço superficial entre a varanda e a linha do horizonte líquido não fosse o suficiente para a investigação diária que devo fazer?!
Quanto ao que está mais fundo…
É uma imensidão tão brilhante, tão misteriosa, possivelmente, tão profunda afinal, de tal modo bela…
Há poucos minutos, uma névoa estava caída sobre a água azul e quieta; vinha do alto como pendurada cortina e não permitia ver para além de um palmo de mim. Por milagre que não compreendi, como é natural, é agora desaparecida. Foi retirada, simplesmente.
Ficou o que era suposto estar lá antes e já não está. Isto é, talvez nada.
Refiro-me ao que estará nas profundezas e que posso imaginar largamente com palavras minhas e pensamentos que fizeram surgir acolá o que gostava de ver lá. Na verdade, apenas o que gostaria de ver.
E julgo não haver mais nada. Nunca ter havido.
O fino perfil de madeira do meu barco/prancha subia e descia, subia e descia... passava acima e abaixo do longínquo horizonte, deixando, de cada vez, aparecer a ilha misteriosa. Ou fazendo-a desaparecer.
E a vela levantada para o céu, branca e elegante como uma mulher de ERTÉ, assomava e recolhia-se, no passo seguinte, no brilho e no movimento das águas do Indico, cujas ondas não eram ondas, mas apenas um dinamismo próprio e apropriado ao sossego do lugar.
A música, bem a oiço, é dos pássaros que agora fazem os seus ninhos e se passeiam pelas palmeiras finas, pelos coqueiros e por muitas outras árvores e arbustos floridos de belas cores suaves. O sol é ameno, o vento sopra forte e tépido.
A vela branca ou a mulher de Erté continua a erguer-se e a recolher-se acima e abaixo do horizonte e o meu barco, onde ela pousa, é pequeno e fino. Apenas um homem moreno ou o seu perfil, recortado num material escuro, aparece constantemente ligado à vela, não a deixando afastar-se.
A ilha avizinha-se da minha prancha e depois foge para longe antes de ser tocada, mantendo a mesma face voltada para mim. Não sei por que não quer ser tocada - é deserta e feia, com algo sensual no seu recorte. Mas fiz-lhe a vontade, pois ela é poderosa e a minha pequena prancha está presa nas pedras, não tem poder. Apenas sobe e desce ao sabor da ondulação e dos barcos que passam e da imaginação que flui.
Aquela ilha tinha o que quer que fosse escondido do lado de lá, tal como a Lua, e só mostrava a frente como se fosse uma superfície, a parte externa de si. Mas calculo que tivesse três dimensões, não verifiquei.
Preferi levantar-me e passear na borda.
Foi então que um insecto de belas asas amarelas, pisado por mim, me picou e me injectou o seu veneno com toda a fúria de que foi capaz.
A dor foi intensa e recíproca e decerto durou horas.
Voltei ao quarto, no primeiro andar da casa que ocupo no jardim do Paradise Cove, desenhada segundo o modelo tradicional na Ilha Maurícia e construída e decorada com materiais do PaÍs, tanto quanto possível: a pedra volcânica e provavelmente a madeira, os tapetes artesanais, talvez os candeeiros e com certeza a pintura de paredes e portas.
Está muito agradável e eu deitei-me para descansar da violência da picada.
De súbito, o ruido de um helicóptero a aterrar ali mesmo no jardim destruiu toda aquela imagem e a minha escrita, isto é, a minha realidade. Durante um quarto de hora aterraram e levantaram helicópteros ou só um helicóptero, vá lá, pintado de branco, de azul, ou de vermelho.
Receei que fosse para o dia todo e comecei a gostar de ver e sentir este insecto ao longe e no alto, picando-me doutro modo, mais forte ainda que o outro e sem que tivesse remédio para este.
Comecei a pensar se não era melhor gostar de sentir o insecto ao longe e no alto, ainda que sem remédio para ele, que amenizasse a sua picada.
Que picadas surpreendentes!
(Outra recordação da Ilha Maurícia)
Ao fim da tarde, havia nuvens azuis, cor de rosa e cinzentas. Hoje, um outro dia, há apenas brancas, nuvens brancas. A água do mar é índigo e verde e corre com o vento, correm ambos como amigos, sem competição.
Admiro esta arte de vanguarda, apresentada como interactiva.
A todo o momento, com os mesmos materiais, a obra surge outra. E podes refazê-la não apenas com a imaginação: tanto é uma gigantesca gravura de Durer como uma pintura barroca ou mesmo alguma serigrafia de grande beleza que brilha com o sol no mar ocupando metade da tela. E logo depois aquelas ilhas negras de diferentes espessuras e formas, exactamente da cor da pele dos nativos pousam tranquilamente no fundo, os recifes com a sua espuma branca para cá delas e o céu todo pincelado de branco, sombreado ligeiramente de cinza…
… o verde dos braços de terra entrando pelo mar, os deixa transparecer vivamente e enfim os barcos - catamarans de vela aprumada, a lancha de motor para a pesca próxima de outra para o ski, o caiaque a remo, a gaivota a pedal…
E sempre o vento a dar vida e movimento a todos estes tão diversos elementos.
Mesmo a areia da pequena praia voa ligeiramente, (porque é pesada a areia…).
Em terra, o movimento produz outros efeitos sobre as folhas.
O cenário é preparado cada dia, cada hora.
O espectáculo não é muito variado, mas é impressionante de amplidão, de acção e de tumulto. De vez em quando, um coqueiro larga uma revoada de pardais que desaparecem por algum tempo; belíssimas vespas de grandes asas amarelas e veneno assassino sobrevoam por aí não tendo propriamente outro papel no cenário senão o de inquietar.
Pássaros cinzentos e azuis disputam não sei com que resultado. E os pardais de regresso cantam e dançam, sendo que alguns se ficam a rir, divertidos, sem dúvida.
Apenas ao fim do dia, as coisas se resolvem e o drama tem o seu fecho com a passarada toda nas árvores, apaziguada, comentados todos os comentários, apresentadas lutas, leituras e cantorias e com o vento, principal actor e mesmo protagonista, fazendo estragos noutras bandas.
Ou representando.
(Feliz recordação de uns dias de férias coloridas)
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