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Só Lua

por Zilda Cardoso, em 26.08.19

 

Na noite transparente

a Lua fulgia alto sobre o Mar

fixa no centro de um disco singular

de cores radiantes, de fulgores.

 

Nessa noite de Agosto

havia luar espelhado num mar

sofisticado escurecido

em frente da janela-de-ver-o-mar.

 

No seu leito de seda selvagem

ele, bravo e macio, atraía.

 (Que pedras preciosas requintadas negras

nele se dissolviam e o exaltavam?)

 

A Lua não era cheia nem nova.

Era sem fases, neste céu.

 

Para o Mar acolhedor

é brilhante sem forma definida

bela fria e cristalina sem cor.

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publicado às 12:16

A Rua do Almada

por Zilda Cardoso, em 25.08.19

 

Vivi muito pouco tempo na rua do Almada, no Porto, ou dos Almadas, como eu gostaria de lhe chamar.

Foi há muitos anos e nunca tinha lá voltado. Fui visitá-la ontem.

Dizem que é uma rua cheia de história, acredito. Continua a ser. Confirmei um pouco na internet, vale a pena pesquisar.

Para mim, a Rua também tem muita história e muitas narrativas posso criar e escrever a partir de acontecimentos desta época. Quero dizer, muitas coisas importantes me aconteceram no curto período em que lá vivi.

Concluí facilmente que não era rua para se viver.

O meu apartamento tinha uma pequena varanda na fachada da frente, voltada para a rua, com ferros lisos de proteção, verticais sem quaisquer arabescos (o prédio fora remodelado e modernizado recentemente).

Eu tinha o primeiro filho com dois anos que se divertia na varanda a ver o trânsito de carros e de pessoas e o movimento das outras varandas e janelas. Não era necessário mais nada para o ocupar.

Ele estava ali a maior parte das tardes - a casa era pequena, aquele era o espaço seu favorito, ao ar livre – eu deixava-o naturalmente. Sabia que estava em segurança e divertido, muito distraído e feliz, com novidades coloridas a acontecer cada minuto. E eu dentro de casa a executar um qualquer trabalho de valor transcendente!

Um dia, uma vizinha solícita tocou a campainha para me avisar do que observara.

"Por favor, veja…!" Disse-me ela, muito perturbada.

Os dois ferros verticais de um dos cantos da varanda distavam um do outro o suficiente para passar o corpo da criança que o fazia com todo o à vontade. Usava essa vantagem, de certo para ver melhor o que lhe chamava a atenção.

Ficava com meio corpo de fora, não pendurado porque os pés estavam no chão, mas em equilíbrio precário já que as mãos não tinham força para agarrar bem os ferros nem tinha noção de que isso fosse necessário.

De um momento para o outro, o menino cairia da varanda à rua! Com toda a singeleza!

Poucas vezes, na minha vida me assustei tanto. Uma angústia me apertou o coração ao pensar no que poderia ter acontecido se não fosse o aviso da vizinha!

No mesmo instante, acabou o brinquedo brilhante das vistas da varanda, do movimento singular e instrutivo e das transformações sem fim. Mas as minhas recriminações continuam. Como foi possível que nunca tivesse reparado!?

Nunca, mas nunca estamos preparados para cuidar de uma criança!

Esse trabalho excede-nos.

(Mas a varanda continua exactamente como era!)

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publicado às 20:06

Terras de Bouro

por Zilda Cardoso, em 20.08.19

 

Estive uns dias em Terras de Bouro, perto do grande e belíssimo  Mosteiro Cisterciense. E vi-me todo o tempo rodeada de montanhas que não me diziam nada, por mais que lhes suplicasse.

Não, não me fizeram companhia. Estiveram paradas e mudas estampadas no céu azul (o céu é sempre azul sempre diferente, sempre igual), como sobre tela especial.

Estiveram sempre ali como a assistir. A quê? Ao espectáculo do mundo existindo, sendo. Mas eu esperava outra coisa, outra atitude. E lembrei-me da frase de Sophia “Ausentes são os deuses mas presidem”. As montanhas estão lá, presidem, mas não intervêm. Aborrecem-se e aborrecem!

O céu é tão azul e denso que se reflecte na parte superior das montanhas. Tudo é azulado até muitos metros abaixo dos cumes. A seguir é verde e preto e castanho. Esses pedaços já não pertencem ao céu, pertencem à terra que tem outras características.

As cores são pertença das coisas?

Do mesmo modo, há umas árvores mais perto de mim, totalmente verdes, que se recortam no azul directamente. Parecem, devem ser, independentes de tudo o que as rodeia. Por mais que o fundo mude, elas permanecem como antes, como ontem. Ao contrário da canção dos Beatles, Yesterday, em que se diz que ontem love was an easy game to play, para estas montanhas e para estas árvores e apenas para estas, não há saudades de ontem. O mundo é sempre igual.

Que estou a fazer aqui? A constatar a paragem do mundo? Hoje sou eu que presido. Ou apenas observo e quero falar disso. Porém, tudo é descomedidamente grandioso. Não sei o que pensar.

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publicado às 13:22

A Sabedoria da Velhice?

por Zilda Cardoso, em 19.08.19

 

Uma  generosa e grande amiga enviou-me como recorte de jornal, a crónica de domingo do Correio da Manhã intitulada

A SABEDORIA DA VELHICE EM MOLEDO

do Dr. Sousa Homem, que muito apreciei e agradeço.

Ela sabe que continuo, como toda a família, tocada pelo vírus do Verão em Moledo do Minho, pela época da praia e do Clube que tem a característica de ser o único no País a funcionar apenas um mês por ano. Tudo muito especial.

Temos na aldeia a casa rústica recuperada há perto de cinquenta  anos pelo arquitecto Siza que é ainda modelo de excelente trabalho do arquitecto famoso, visitada todos os anos por alunos de arquitectura das universidades europeias.

Mas o que será a sabedoria da velhice em Moledo?

Como tem por hábito essa gente da Filosofia fui procurar definir os termos, saber o que é sabedoria, o que será velhice, o que é Moledo.

Moledo acho que ficou definido, é o lugar daquela virose específica.

Sabedoria…

Fui ver ao dicionário e à internet, tentei recordar o que ouvi ao longo de anos…

O dicionário identifica sabedoria com ciência e ciência com saber, não ajudou muito, se bem que acrescentasse prudência, rectidão, razão, como sinónimos de sabedoria; e conhecimento, erudição e instrução como sinónimos de ciência.

No meu dicionário de Filosofia conhecimento … é muito complicado, não vale a pena entrar nisso. Todos sabem bastante bem como distinguir os dois conceitos, principalmente desde que ciência se associou com técnica (conjunto de processos baseado em conhecimentos científicos).

Sabedoria é “a atitude de moderação e prudência em todas as coisas”. O sábio será não apenas o homem que sabe, mas o homem de experiência.

É aqui que pode entrar a explicação do que seja a sabedoria da velhice. Segundo o Dr. Sousa Homem “não há sabedoria na velhice - apenas velhice”. “O Diabo acerta não porque seja mais sábio, mas porque já cá anda há muito tempo”, frases citadas no artigo em questão.

Velhice, experiência, sabedoria – equivalem-se?

Recordo-me de alguém me dizer há muitos anos que sabedoria é aquilo que fica depois de se ter olvidado tudo o que se aprendeu.

Compreendo, os conhecimentos fazem-nos mudar a forma de ver o mundo. Mas é necessário esquecer detalhes e processos técnicos para se saber como viver melhor, qual a boa forma de viver, isto é, de usar os conhecimentos adquiridos – essa será a sabedoria do sábio, homem de conhecimento e de experiência, que anda cá há muito tempo, mas não esqueceu tudo.

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publicado às 12:37

A Musa

por Zilda Cardoso, em 09.08.19

Para transformar aquela paisagem num poema, tenho de aguardar a vinda da MUSA. Ou talvez baste concentrar a sensibilidade de que disponho e deixar que ela, a sensibilidade, dite as suas leis.

Na verdade, não sei como chamar-lhe, talvez por isso, não sei chamá-la, mas preciso urgentemente dela.

Musa, parece antiquado, género Grandes Poetas Clássicos, épicos e líricos, que criaram epopeias guerreiras e sonetos à sua amada, deusa sempre pronta a desiludir e a fazer sofrer quem a ama “com puro e honestíssimo despejo”.

Intuição e revelação? “Ver para além do que é visto?”.

Só em certos momentos se vê para além do que é visto, e isso, claro, quando a Musa, a Intuição ou o que seja nos visita e nos ajuda. Sem ela, nada de interessante acontece.

O que quero dizer é que haverá quem não acredite senão no seu próprio conhecimento teórico e na técnica que aprendeu. Haverá quem pense que basta contemplar uma tal paisagem ou um rosto perfeito para que o texto poético saia e possa ser admirado.

A água cristalina correrá e saltará nas pedras limpas do ribeiro pela manhã azul, os pássaros continuarão a tocar com asas firmes a sua música tão do meu agrado, haverá fios luminosos de sol por entre os ramos dos arbustos do jardim, mesmo talvez nuvens brancas encaracoladas bem desenhadas no céu…

E reverberações e ressonâncias e fulgurâncias, possivelmente uma lucidez improvável, porventura… bom e inspirador silêncio, mas eu terei posto todo o meu afecto noutro lugar e não saberei senão descrever.

O Poema não surge. Nem a pintura. Nem qualquer obra de arte para que estivesse habilitada.

 

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publicado às 13:30

SEPARADA DE MIM

por Zilda Cardoso, em 02.08.19

Encontro-me separada de mim, de modo que consigo conversar comigo de forma lógica e aceitável. É raro estar realmente só e a sentir a solidão, esse flagelo.

Aprecio e compreendo agora quem diz deleitar-se com o nevoeiro. E confesso preferir, de longe, o sol aberto, radiante, e o céu azul, mas há muitas razões e ocasiões em que a sombra e a névoa me agradam sobremaneira.

Quanto ao silêncio… como poderia escutar-me sem ele? Ou sem uma música de fundo suave e plena de brilhos, de ressonâncias e de ecos afáveis? Como poderia…?

Devo permitir-me pensar e escutar-me muito mais do que tenho feito para que o meu cérebro se complexifique e eu possa descobrir e entender coisas difíceis e misteriosas, de um nível menos trivial.

É certo que esse órgão precisa ser estimulado, treinado para funcionar de forma perfeita, ainda que enigmática para qualquer de nós.

Descobri uma boa forma de o preparar, já que é fundamental e trabalhoso: escuto não apenas o ruido exterior, as vozes dos outros, mas a voz interior, o meu pensamento dividido em acção, discutindo.

Aconselho: nunca perderemos tempo, o cérebro está sempre a trabalhar e a ser estimulado mesmo quando estamos sós e em silêncio. Se quisermos.

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publicado às 21:12

A casa e o jardim

por Zilda Cardoso, em 02.08.19

 

O que tem de bom desaparecer (no sentido de morrer) é que se esquece tudo - TUDO. Fica-nos… zero. Vazio. Nada.

Nem posso conceber o que seja.

Nunca pude perceber como posso pensar numa coisa que não existe. Não penso na coisa, mas na palavra, deve ser isso. E como posso conceber a palavra cujo conteúdo nem nunca existiu? Nunca existiu o que a palavra representa, mas invento-a, inventamos o que representa o que não existe!

É pelo menos estúpido! Ou muito misterioso.

Estes dois parágrafos ficam entre parêntesis.

O que eu quero dizer é que não pode haver nostalgia nem nada semelhante no tal vazio. Não pode haver recordação, pelo menos, é o que podemos pensar. De modo que o que importa é que tenhamos boas recordações e saudades delas agora, NOW, palavra com grande força de expressão, enquanto aqui estamos.

De Moledo, por exemplo, até morrer (no sentido de desaparecer), vou ter muitas saudades deste lugar, do jardim quando não estou aqui.  Ou se não estiver. Terei saudades das plantas que plantei e das que já aqui residiam, das silvestres que gostam de morar no terreno e aqui vivem desde sempre e o pintam de amarelo, de lilás e de cor e laranja, de branco…

Todos estes coloridos e outros participam do encanto da Casa da Eira produzido, provocado há mais de quarenta anos pelo arquitecto Siza que aqui deixou, nessa ocasião, uma marca inconfundível e um resultado de grande merecimento e de prestígio.

Uma obra prima de imensa simplicidade, de sabedoria e talvez de bom-senso. É com toda a certeza uma obra capaz de provocar grande emoção a quem for dotado de sensibilidade.

O que é admirável nesta casa, neste sítio, é muito mais do que arquitectura. É muito diferente de arquitectura no sentido comum do termo.

A CASA DA EIRA é…

Este lugar é…

Quanto a mim, tudo o que plantei e semeei se transformou com este admirável aconchego nalguma coisa muito sedutora. E as diferentes peças, umas com as outras, ao comporem o ambiente transformaram-no, fizeram-no melhor. Superior, na verdade.

Não sei como classificá-lo.

Estas árvores e os arbustos pensam em nós como nós neles. E damo-nos espaço. E damo-nos bem. Fizemo-nos mutuamente um sítio muito delicado e agradável. Não se trata apenas de viver.

Quem sabe se não será a antecipação do que virá a seguir, depois, e ninguém sabe como é!?

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publicado às 09:24




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