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Estou inteiramente de acordo consigo: os meus textos do blogue seriam muito mais interessantes para os leitores em geral se os ligasse a factos da vida real. E isso não tem acontecido ultimamente.
Na verdade, sabe como é, não me tem apetecido nem pretendi, não quer dizer que não tenha havido ocorrências capazes de despertar a minha curiosidade e de que valesse a pena falar. Porém, é mais fácil observar o mundo em paisagem - o mar… o céu… as rochas metamórficas…o voo dos pássaros… e pensar em abstracto nas razões e nas sem-razões de ter sido assim e não de outra maneira.
Hoje vi pela quarta ou quinta vez objectos de Joana Vasconcelos, no presente, expostos no Museu e no Jardim de Serralves. E digo-lhe - não sei que lhe diga...
Acho divertido num primeiro momento. A artista tem muito sentido de humor que resulta bem em peças destas dimensões, capazes de originar imagens de grande impacto visual, executadas em materiais, pelo menos, inesperados; de que só alguém de grande imaginação se lembraria.
Como os belíssimos sapatos de Marilyn muito bem colocados no jardim em frente da Casa Cor de Rosa feitos de tampas de tachos reluzentes ou o desmedido coração de filigrana, delicada joia de ourivesaria popular, inteiramente executado com talheres de plástico vermelhos...
A belíssima Mascara feita de espelhos, muito simbólica, segundo a artista da sua atitude actual e desta exposição: I’m your mirror, é outra das peças que muito aprecio.
Joana Vasconcelos diz o que quer dizer aos gritos mas… com delicadeza, com saber, não é verdade?
Não alcanço bem o significado de certas peças… Mas compreendo a crítica incluída no anel gigantesco feito de jantes de automóveis douradas, coroado por uma grande forma feita de copos de cristal que simula um diamante… Acho que se pode ver ali com clareza uma crítica ao luxo e à sua superficialidade comuns na sociedade contemporânea.
Joana Vasconcelos ouve-se longe, muito longe. Não apenas porque o afirma alto e bom som, mas porque procura dizer com incoerência. E usa “engenho e arte”.
Os materiais são muito físicos e levam-me a pensar. Levam-me a pensar que posso estar enganada e não é nada essa a sua intenção, não é a sua crítica. É assim que vejo o BULE no jardim.
O BULE vermelho de ferro forjado, em que se entra e pode ver-se o fora de dentro como o dentro de fora, entre as plantas, foi chocante para quem todas as manhãs manuseia o bule do chá em que prepara a bebida para o dia todo… São diariamente os meus gestos com o bule e com as folhas, com o líquido perfumado que saboreio.
O meu bule também tem aquela dimensão.
Talvez descubra novos significados para a peça e a minha experiência diária com um bule me leve a ver a obra doutra maneira.
No momento, acho-a de grande beleza, rendada sem crochet... deixa-se atravessar pelo olhar...
Contudo, se me permite, prefiro deixar a continuação do tema para outro dia . Porque terei que pensar duro e fazer descobertas.
Não me recordava de tempo assim, olvidara que assim fosse Abril.
Em certo momento, um pequeno arco-íris, um começo de arco-íris apareceu.
O céu fica pesado de nuvens em vários tons de cinzento. Mas o azul intenso está lá como fundo e de vez em quando assoma exuberante, límpido, profundo.
Seguidamente, desaparece o arco-íris, mas não a música que o lembra cantada por Judy Garland num velho filme de culto, somewhere over the rainbow. Essa permanece na minha cabeça com todas as suas branduras e feitiços.
O mar com algum movimento e ondas de espuma branca é cinzento escuro acastanhado, como se não quisesse ser visto e notado.
E volta o arco-íris, mais acentuadas as cores vibrantes.
É um cenário atraente com a passarada a cruzar muito acima, muito alto, como de costume para norte; e também para sul, reparo agora, possivelmente com destino apropriado. Pensam na sobrevivência, procuram o que comer – é um bom pensamento que sobretudo ocupa sem grandes cuidados, nesta beira-mar.
Somewhere over the rainbow…
Aqui o céu em Abril é excelente modelo para uma pintura contemporânea.
Saí para uma volta.
Subitamente, cai uma chuvada sobre mim, tomba sobre mim toda a chuva daquela nuvem mais negra! Será isto o próprio desta beira-mar na nossa cidade? Chuva repentina e, já agora, não-esperada por mim, sempre cheia de amor pela paisagem luminosa…
Tal como não revivo Abril, outros abris ou abriles (que esquisito), também me não recordo de não me recordar de maneira tão fechada, de como vim até aqui e donde vim.
Acho que posso imaginar que parti e cheguei, vinda do outro lado do horizonte que de há muito sobremodo me fascina, de pé sobre a água, de rosto para esta margem.
E de surpresa, estaquei, virei costas e mudei de perspectiva. Fiquei aqui a contemplar o brilho variável da água que reflecte o firmamento conforme a hora do dia, a estação do ano e os caprichos de vários elementos que se conjugam ou conflituam.
Sinto que surgi num dia de sol colorido de Inverno, deslumbrante. É justo ficar à espera, nesta época de alongado absorvimento diário e de contemplação, de uma revelação convincente. O meu desejo não é ver nesta preguiça actual das ondas cinzentas, com o sol longe a rasar a água quase parada, um mal disfarçado desalento dele que me transportou.
O meu anseio é reviver o que vi e vivi do outro lado, de onde me ausentei, de onde vim, como eram as pessoas que lá conheci… os rios… as cidades e as aldeias que amei e as outras, as que não amei.
Foi talvez uma longa caminhada.
Não sei se havia outras margens… faço um esforço para rememorar. Mas não sei. Ou sim havia. Escolhi esta.
Onde continua monótono, quase-sempre-igual, tudo. Um desencanto.
É o momento de ter saudades do que deixei por lá, radioso e colorido. (Mesmo que não saiba o que deixei vivido, mesmo que ninguém tivesse notado a minha ausência).
Há uma nostalgia. Pode haver um legado.
Quero voltar, abandonar esta mesmice, regressar às margens tintas e musicais de outros tempos. Quero voltar.
Como? dizei-me.
O céu é sempre azul se não houver nuvens.
As nuvens brancas, cinzentas, azuis, cor de laranja ou cor-de-rosa podem cobrir por completo o azul ou permitir que ele espreite por entre elas.
Gosto do firmamento quando não há nuvens, mas aprecio-o do mesmo modo quando elas são cor-de-rosa. Ou brancas. E se misturam e se compõem. Gosto que se redesenhem, a cada passo. E se transformem em obras de arte.
Tem que haver luz de um Sol que se passeie por alí.
Quando não há sol, quando o Sol está a descansar ou mergulhou ou, de algum modo, se foi, o azul do céu muda para negro.
Em momentos, tem estrelas que cintilam e então o mesmo céu fica bonito e distinto.
Não ilumina: é iluminado pelas estrelas que são diversas quanto a composição química e idade.
Estão incrustadas no tecido escuro, bordadas talvez, bem agarradas, raramente caem.
Os cientistas observam o seu brilho e movimento e concluem quanto à composição química e outras características. A mim parece-me que estão quedas, embora reluzam, tremeluzam muito e, por isso, deem a ideia de se moverem ou mesmo de se agitarem.
Em certas ocasiões e circunstâncias, aparece a Lua que nunca se sabe perfeitamente que forma tem. É tão irregular! Aprecio muito esse planeta, dá uma luz reflexa, fria e muito poética, que, em princípio, só é vista à noite.
É muito complexo este que gostaria de chamar astro, eu nunca sei como falar dele com um mínimo de sensatez. Acho que só os poetas.
Ontem li que haveria Lua cheia e que, ao anoitecer, fosse espreitar; mas não foi isso que aconteceu. O que vi foi diverso. Fiquei um quanto desapontada.
Sinceramente, sempre ouvi chamarem-lhe mentirosa porque quando se apresenta para nós como um C não é quarto crescente como essa letra sugere. É o outro.
E é ociosa porque quando se senta confortavelmente na sua cadeira não há quem a tire de lá. Já observaram? Quer se trate do quarto minguante quer do crescente, quando se instala, se recosta… acabou.
Também acontece às noites não haver estrelas. Presumo que, neste caso, haja nuvens carregadas de água que, quando não suportam mais o peso, a deixam cair e… chove.
É difícil acreditar, mas é assim que chove, melhor, é uma das maneiras possíveis de chover, não é nenhuma epifania.
Voltarei a falar da Lua, amanhã ou depois.
Sentei-me com gosto a uma mesa de sorrisos.
Sorrisos abertos ou não, mas sempre…doces. Era festa, não ocasião de revelar outros sentires.
Por isso, é para mim uma boa ocasião de não falar de mar, hoje. Larguei-o como tema.
Conto um acontecimento real com pessoas em grupo, ventania e chapéus pelo ar, carros e correrias, chuva. E havia um almoço de aniversário num restaurante da esplanada em frente ao mar!
Uma menina de setenta anos festejava, com filhos e netos e outros parentes muito próximos, o seu nascimento. Tudo era juvenil no seu rosto e nenhum sorriso se lhe comparou durante todo o tempo da refeição festiva. Não havia que acreditar nos setenta, porque setenta tem agora um significado diferente do de anos atrás.
O sol abriu, a paisagem tornou-se fosforescente, o mar ao nosso lado era um esplendor, um imenso espelho reluzente, uma presença que me lembrou, assim de tão perto, a pintura impressionista. Vi a fugacidade das coisas da paisagem, o que os pintores procuravam apreender; a luz extraordinária sobre os relevos da água em movimento ligeiro e poderoso, as variações da luminosidade e as sombras…
A festa era também ali. E ali se celebrou, no mar, um mar longe de sereno, mas paciente. Ou que aceitou os seus limites num deslumbramento feliz.
De súbito, caiu uma enorme chuvada e granizo que alterou os fulgores e as colorações.
Extinguiu-se em poucos minutos: a paisagem não chegou a ficar branca. Não chegou a ficar branca, mas ficou em silêncio.
Foi apenas advertência: é sempre possível que, em momentos, tudo, seja o que for, se altere. E volte a nascer. E se repita. Ou não.
É o que me faz também a mim amar o mundo.
As janelas do meu quarto estão sempre abertas, a luz entra a todas as horas, mesmo de noite.
Estou deitada e repousada, desperto várias vezes, muitas. Sei que é hora de levantar quando o brilho da luz tem certa cor.
Dou-me muito conta da luz da noite. É uma luz apagada que não sei de onde vem; é murcha, sem perfume. Enquanto a do dia, a cor do brilho do dia, difere com o decorrer do dia e depende da altura do sol, vem do sol. Que não pára quieto durante horas e horas. Nem se desassossega quando surge uma nuvem ou outro objecto no seu caminho. A luz do dia…
A luz é primeiro indecisa, há o véu da madrugada ainda, depois a manhã matinal que é a que mais aprecio e a que traz felicidade às minhas palavras. E silêncio. Nesses momentos, o mundo é inteiramente juvenil, nunca me aconteceu não descobrir alguma feição diferente; é puro, asseado, acabou de nascer.
Receio sempre que o Sol um dia, envelhecido, se esqueça do caminho que é seu hábito seguir e me contempla a mim e a outras pessoas, vá por outro, e nos deixe às escuras, magoadas, ressentidas. É isso, pode ser questão de memória e não de ter um compromisso duvidoso connosco. Sempre acreditei nele.
À hora a que me devo levantar ou me quero levantar, a cor do dia… não digo que é igual todos os dias à mesma hora… mas é uma certa cor que me desperta, me entusiasma, sobretudo, quando deixa adivinhar um mundo brilhante e um céu sem nuvens, perto de nascer.
A minha actividade física, a clarividência do meu raciocínio e a lucidez da argumentação que me compete, dependem muito dessa clareza do mundo e da sua transparência.
Não há fórmulas mágicas. E se nevasse?
Trago os olhos cheios desta paisagem… De tal modo preenchidos que não sei se caberá neles alguma outra substância, por muito pequena. Os meus olhos estão presos ao mar e ao que o contém: o céu, a praia, o horizonte… o que conheço de belo, de atraente, de estimulante, de lúdico e de sério, de surpreendente e de inesperado, tudo, está ali.
Como posso desprender-me disto?
Ao falar de mim, ao evocar episódios da minha infância, da adolescência, da juventude… os mais espirituosos, falo sempre dele.
Não me importo de ficar por perto para sempre. Há tantas recordações e promessas sempre cumpridas por ambos...
Em momentos, vejo a água prateada quase lisa, limpa e brilhante numa faixa larga desde o sol-próximo-do-poente até aqui, aos meus pés. Noutras ocasiões, há milhares de estilhaços de vidros que reverberam, em permanente agitação.
Ontem, deste lado, estava sereno, sem cintilações com excepção de um espaço circular, ali a meio, uma arena. Vê-se que tem qualquer coisa que o perturba sob a superfície e o faz estremecer, quebrar a pequena ondulação, espumar ligeiramente, mudar de cor, modificar a forma, como se aquele redondo fosse um lugar furtivo, minado de segredos, coisas ocultas.
Passo muito tempo a tentar adivinhar o quê; que coisas ninguém pode saber.
É assim que fico com os olhos presos no lugar.
Mas hoje é dia de haver espelhos despedaçados, aos milhares, em grande agitação, no mesmo espaço redondo. Vêm com as ondas, há algumas ondas, partem-se mais contra os rochedos como as conchas e seguem um seu caminho até à praia. Mas na praia, não ficam espelhos, mas gotas de água, pingos e nada mais. E quando as ondas se vão, a areia permanece molhada.
Ocasiões há em que o mar me faz esgares, vejo isso. Eu queria que as minhas palavras tivessem energia bastante para descrevê-lo, é divertido.
Talvez fique triunfante por eu não compreender, por mais que o olhe e observe. Acho que há muita vontade de destruição que não é maldade, e não é sequer desprendimento.
Há ainda ocasiões mais raras em que fios finíssimos de sol, extremamente luminosos, se introduzem na água e ficam de pé e é o movimento da água que os estremece e os fragmenta. E pode ser o bater de milhares de asas de minúsculos pássaros o que provoca o movimento suave da água.
O mar repete permanentemente os mesmos gestos, só que diferentes. Além da beleza, é o que admiro.
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