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Espectáculo excessivo

por Zilda Cardoso, em 29.01.19

Todos os dias, ao fim do dia, elas vêm às centenas, espalham-se sobre mim, a grande distância, em altura, e gozam os complexos jogos que inventaram para o referido efeito. Têm muito espaço e não sabem resistir às boas condições temporais…

Vejo-as com assombro em complicadas manobras de diversão.  Até que fica escuro e elas se vão como se chamadas pelo toque de uma trombeta que necessita repetir, por vezes e apesar de tudo, precisa repetir. É sempre possível uma última aventura exaltante.

Estimo a companhia, elas vêm por bem, vêm todas por bem àquela hora. É tempo de recolher, de lugar comum e, em breve, de silêncio. Ainda voltam, com entusiasmo e alegria, algumas que não vieram antes, que não participavam do primeiro grupo, tenho a certeza. Parecem-me todas iguais, no entanto. Se bem que tenha encontrado aqui, ao nível da ribeira da Granja, foz do Douro, umas quantas de patas mais amarelas, de asas cinzentas sobre branco, mais pequenas, mas não menos agressivas.

Não brincam quando estão a viver!

Recordo-me de uma enorme num museu da Noruega. Ocupava uma sala inteira, só ela suspensa no tecto, olhávamos para cima e víamo-la, pendurada, andávamos por baixo e parecia estranho.

Aqui voam todas na mesma direcção, para um poiso comum, recolhem-se ao fim do dia, minhas companheiras!

Fico observando até não haver mais neste mundo delas e fonte de emoção. Porém, gostava de perceber, gostava que me ensinassem, mas elas acham-me estúpida.

De uma coisa estou certa: divertem-se em certos momentos e têm um poiso comum, é o que elas conhecem. Às vezes, parecem-me um pouco mentirosas. É impressão minha. Quase tudo nas nossas conversas se resume a mal-entendidos!

No entanto, esta hora do recolher é de paz e de serenidade. Elas saem sempre vitoriosas.

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publicado às 19:42

Um cantinho de mundo

por Zilda Cardoso, em 26.01.19

Fui esta tarde testemunha de um escândalo: em pleno dia de sol, dei-me conta de estar sentada de costas para a minha janela aberta ao mundo!

Um céu… bom, um mar… caramba, o ar lá fora não se sente – leve, perfumado, mas respira-se facilmente, calculo. Os riscos brancos reluzentes no firmamento são cor de salmão: um fim de dia de Janeiro de que tirar bom proveito.

Mas eu estou de costas! Não quero emocionar-me. Recomendaram-me que não olhasse, não me faria bem, que ficasse… voltada para dentro.

Como e de que forma, deste modo, poderei agradecer esta conjugação de belíssimos detalhes?

A Água é traçada em diagonal por faixas ou listas avermelhadas, na verdade, com várias cores vibrantes. Porém, quase se não agita: desfruta o ligeiro contacto com certa volúpia. Eu acho que há nisto uma ressonância luminosa. E é o que ouço ou sinto! Ou adivinho?

Aquelas cores todas que se misturam e não sei definir, tudo o que me dispõe bem em cada dia de sol brilhante…

Quanto aos outros… sem dúvida, têm horas a mais. Não acredito que seja como dizem, desde há séculos, desde os últimos calendários: não tenho dúvida de que estes dias têm horas a mais. São retóricos. E não dão para nada. São um tédio… as horas a mais.

Como poderia aqui desenvolver uma mínima capacidade criativa? Alguém me ajude.

Volto à janela, aberta agora de par em par e observo. O mundo é uma coisa que conheço? É isto?

É o quê?

Há bem e há mal no mundo: o que é pior? Alguma vez ajudei? Posso…? O mais certo é que eu não exista.

O que me leva a outra interrogação sobre o que é a realidade? O meu pensamento torna-se embaraçante, mas não sei se importa que isto seja a realidade. Ou que ela exista.

Eu estou aqui e gosto de estar. Posso não estar? Participo da não existência do mundo. Onde poderei ficar e ser… se não for esta a realidade?

Depois, as horas demoraram muito a passar. Não os dias, claro, as horas.

A luminosidade foi diminuindo lentamente, os objectos mudaram de cor ou desapareceram de todo, rasurados, e eu fiquei à espera.

As estrelas nunca mais chegavam fulgentes.

Não foram vistas.

Ficará muito escuro, cada vez mais escuro. As luzes foram-se acendendo perto de mim, muito menos altas e radiantes do que esperei.

Na verdade, não vi as estrelas estremecerem como é hábito. Calculo, no entanto, que se eu não tivesse permitido que as nuvens viessem ou se as tivesse afastado como vidros embaciados... ou se não tivesse em tempos voltado costas…

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publicado às 20:42

Sobre casamento e outros contos

por Zilda Cardoso, em 24.01.19

As pessoas casavam-se. Desde há séculos, pelo que sei, isso tem vindo a acontecer e a ser festejado como alguma coisa de importância transcendente nas nossas vidas e nas nossas sociedades.

No presente, não se casam, experimentam. 0s casamentos são experiências, género, vamos ver o que dá. Como num laboratório, o resultado pode ser o esperado ou antes o desejado ou ser surpresa, dependendo mais das mentalidades e das espectativas do que das circunstâncias.

É justo pensar que vamos ver o que dá, significa que não se espera de mais, há muito poucas surpresas. Por isso, ninguém sofre, entendendo-se que se está preparado para o que vier, seja o que for.

Supõe um acontecimento que não é relevante já que, no dia seguinte, pode ser corrigido, alterado, transformado de modo a podermos voltar ao princípio em qualquer momento. Com outra pessoa. Noutro casamento. Pode resolver-se de ânimo leve, é sempre aceitável.

Em qualquer circunstância, o casamento nos nossos dias, esvaziado de outros conteúdos, assenta ainda no amor romântico que, todos sabem, não suporta grande proximidade e frequência de convívio. Mas… há uma esperança de que desta vez e agora se vai prolongar pela vida fora (a estabilidade parecia importante). A esperança não tem que ser realista!

É apenas esperança sem razão de ser. Por tal, daí a pouco podem estar separados e… é melhor assim. Entende-se que é melhor assim no melhor dos mundos. Porque todos têm o direito de ser felizes.

Cada um procurará noutro lugar, noutra pessoa o que passou a faltar-lhe, o que já não existe com esta pessoa. Mas podemos levar-lhes a mal? Alguém sai magoado? Todos têm o direito de ser felizes!?

 

Falo dos cônjuges. E as crianças… se as houver? Não se passa nada com elas? Pergunto o que tem isto a ver com casamento?

Será ocasião de definirmos de que se trata afinal; de que estou eu a falar.

Continuam a efectuar-se cada vez mais casamentos, já que cada pessoa em busca do amor ideal, realizará vários na sua vida. A importância é dada à festa, naturalmente, à boda, ao vestido branco, às rendas, às flores, a tudo aquilo em que se pode gastar muito dinheiro. Porque a ocasião é única ou/e porque é preciso gastar numa sociedade de consumo. Não é verdade?

O chamado casamento actualmente, será uma apropriação do nome cujo conteúdo apenas vagamente lembrará o casamento tradicional. (É aceitável que os significados ou os conteúdos das palavras se alterem como tudo afinal, por isso, até ver, continuaremos a usar a mesma palavra).

Até há pouco as pessoas casavam-se para não ficarem sós e porque se impunha constituir uma família, ter filhos portanto. Tentava-se criar um vínculo que seria reconhecido socialmente e pela religião talvez e pelo Estado, criava-se um compromisso, celebrava-se um contrato. Os cônjuges comprometiam-se, todos os membros futuros da família ficavam comprometidos desde logo.

A família, como unidade básica da sociedade e sua célula vital, era  importante e ter filhos e criar uma estrutura de suporte, inclusivamente económica, para ela, para a família, parecia ser a obrigação de cada um.

Cada membro tinha, portanto, direitos e obrigações. Os pais deviam educar os filhos preparando-os para viverem em sociedade tal como ela era ou viria a ser num futuro próximo, dando-lhes noções de bem e de verdade; ensinando-os a amar e a serem dignos, instruindo-os nas responsabilidades sociais e na solidariedade; pensando no seu desenvolvimento saudável físico e mental e social. Valores familiares que deviam orientar a vida de todos.

Não vou falar nas obrigações dos filhos nem para com os pais nem para com os pais dos pais. Não vou falar das obrigações de cada um e de qualquer membro da família entendida como estrutura, para com um e qualquer dos outros. Não vou falar disso.

Estava a reflectir sobre casamento, quase me perdi com a ideia de família que para mim continua a ligar-se absolutamente a casamento, e tentando perceber o que acontece no presente.

Interrogo-me sobre até que ponto o casamento actual com toda a liberdade e desenvoltura que supõe – quase ausência de vínculos – é prejudicial a uma boa parte dos seus membros especialmente às crianças que se considerava dependentes dos pais incluindo economicamente para o desenvolvimento de capacidades mentais, sociais, físicas, emocionais.

Como se sentirão eles?

Depende de como estão preparados, sem dúvida. Mas podem ser preparados?

Ouvi um dia destes a personagem de um filme americano afirmar sobre casamento que talvez a solução, provisória como todas, seja o casamento tradicional com um toque pessoal. Talvez o toque pessoal – a descobrir por cada um - passe a ser o importante.

Talvez.

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publicado às 09:31

Dias de Fascínio

por Zilda Cardoso, em 13.01.19

 

Dias de sol estes que tenho vivido… sem ponta de vento…  mar azul e tranquilo em frente a mim, barcos à vela ao longe a deslizar suavemente, a tela do céu com vagas pinceladas de tinta ora branca ora ligeiramente cinzenta, transparente ou translúcida, lá por cima, sem cobrir, deixando ver a cor natural das coisas.

Que mundo novo! Como me devo sentir frente a este admirável mundo novo, nunca repetido, não repetível?

A linha do horizonte é nítida, pura por demais, nos quase cento e oitenta graus que a minha vista alcança!?

Há o reflexo do sol sobre a água numa grande extensão, da linha ao longe à praia a meus pés. E brilhos que cintilam em tiras entre a linha do horizonte e a praia. São faixas paralelas, escuras e azuis umas, cintilantes-brilhantes outras e ainda as que são apenas brilhantes, iluminadas sem cintilação…

Eu queria poder dizê-las, compreendê-las primeiro e explicá-las em seguida. Explicar tudo.

Não sei.

(Será este o modo de pensar perdulário, consumo ostensivo no seu pior, de que fala G. Steiner?)

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publicado às 19:25

Dia esclarecedor

por Zilda Cardoso, em 10.01.19

Eu e o meu irmão.jpg

Esteve um dia esplêndido de luminosidade e de temperatura, um mar tranquilo e azul, um céu sem nuvens (apenas um sombreado em certos pontos).

Mas às 8 da manhã, andava eu em busca do Sol, meu astro favorito, por todo o céu, e não o vi.

Era evidentemente dia, havia luz. Dia claro em toda a zona: nem nuvens, sem nevoeiro; nada de neblina nem de qualquer outra impureza, perturbação, distorção.

Perscrutei com muito interesse todo o azul:  não sei onde ele se meteu.

No primeiro momento, senti um tormento, uma autêntica aflição, julgando-me caída num estranho e ignoto mundo. E apreensiva.

Mas confiei. Era mais um desafio… Pensei noutra coisa.

E em alguns longos minutos, ele surgiu radiante, o Sol, vindo do nada. Sim. Não, nunca saberei donde veio realmente, com todas as suas mentirinhas e seduções, pronto a encantar.

E fulgente…. Cintilante… Fulgurante.

Do nada.

Talvez o Nada exista algures e ocupe um espaço. Sem deixar de ser nada. Será um espaço vazio onde pode caber o Sol e ainda sobrar. Por isso…

Fiquei a pensar. E a pensar como me seria útil saber pensar.

A cada passo, sinto a necessidade de pensar de forma exigente, concentrada e, se possível, original. Ou pelo menos, com interesse, que valha a pena, que leve a algum lado. Que não seja superficial, compreendem? Nem banal de todo, milhares de vezes repetido, cliché fora de moda. Que não pertença, como diz George Steiner, à pré-história do pensamento.

O mais provável é que nunca chegue lá. Não sei quem disse a propósito de falsos teoremas que  “eles não estão sequer errados”.

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publicado às 17:19




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