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Imagem da Internet sem qualquer má intenção. Obrigada.
Assim como assim… saí. Dei uma grande volta, fui passada e ultrapassada por corredores de fundo e por amadores a sério, quero dizer, amadores curiosos e severos. Uns muito despidos, outros vestidos demais: cada um sente à sua maneira ou decide como entende o que vai usar. Sentir frio ou calor não é importante, estarão todos próximo de casa e são minutos apenas de desconforto sem consequências.
Fiquei um pouco rouca apesar de ter vestido um casaco antes, de prevenção. Mas o ar, este ar… eram gotas que não chegavam ao chão. Ficavam pelos cabelos, pela cara, pelas vias respiratórias…
Só para dizer que o tempo já é diverso, Agosto ou não.
Há um cheiro intenso a algas, umas frescas outras de vários dias, para mim é excessivo. Espero que seja bom para a saúde respirar aquele odor, agradável não é.
Soturno, sombrio logo de manhã...
Há no ar uma cor sem graça há dois dias, não há sequer céu, o céu só pode ser azul, este, isto, é espesso e vê-se, diria que se apalpa, não é céu talvez seja véu. Não é o céu que conheço. Nem é um véu.
Passei pela casa onde viveu um tempo António Nobre. Sem cor definida, em ruínas. Ouço a sua voz de romântico sem culpa e sem desculpa. Parece estar só. A casa, tão pequenina… vale a pena, claro, fazer com que o Poeta seja lembrado também através dela.
Passo pelas árvores plantadas no passeio e que perturbam o passeante. Não era preciso ali. Nem sequer são particularmente belas.
Talvez tenham sido plantadas para substituir as velhas no momento oportuno. É natural que as recentes tomem o lugar das antigas, demoram anos a crescer. Ordem natural das coisas, dizem.
Hoje não quero pensar em mistérios. Não quero pensar no que não sou capaz de passar e pensar além de mim, no que não sei e não conheço.
Não interpreto.
Só o que está aqui me interessa, o que está ao alcance do meu toque, todas as pequenas coisas de que falei. Não no nevoeiro que não é pequeno e se parece com um mistério, sem consistência nem conteúdo, e não posso tocar-lhe. Talvez haja interrogações lá pelo meio. Há sempre dúvidas, incertezas.
Não quero saber, continuo.
Sempre igual
o nosso sítio
só de azuis
(mais ou menos)
com rosas e outras
cores e flores
belo fresco tranquilo
dá-nos enfado
ou alegria
conforme o dia
dá-nos o pôr-do-sol
cor de fogo sempre
no mesmo lugar
sobre o mar
e os pássaros bravios
terminarão o dia
à nossa frente
(mais ou menos)
na imensidão.
Sabes… aquelas horas do dia em que as horas não passam… em que as horas são sempre as mesmas? Pois é isso. É isso o que eu sinto esta tarde.
E terei mais do mesmo silêncio e de semelhante ausência até à noite, se é que vai chegar este tempo.
Recusei todas as solicitações e oportunidades para me desviar, para sair, mas aqui fiquei à espera de nada. À espera de nada? À espera de Godot!
Compreendes o absurdo desta demora.
No fundo, não há nada, mesmo nada para chegar, nem ninguém. Não é assim? Não está ninguém para chegar. Não está nada para acontecer.
Por que espero? É inteiramente absurdo.
Apercebi-me desde certa hora da manhã que não há coisa alguma que deva aguardar. Não conservo esperança, é bem verdade. De resto, as promessas nesse sentido revelaram-se vãs desde muito cedo, desde as primeiras horas.
Como posso continuar nesta ansiedade?!…
Por outro lado, se espero por Godot mesmo sabendo que não vem, é porque ainda tenho esperança. Ou devo usar outra palavra mais expressiva para esperança-imensamente-esbatida? Será mais, sem dúvida, um desejo que é também e ainda espectativa.
Ninguém virá.
A não ser que dependa de mim! Da minha vontade!
Vou afastar-me. Neste momento, é a minha escolha.
Vou ao encontro de Godot. Farei com que venha comigo. Farei com que fale comigo. Se houver algum silêncio, ele será cheio das minhas reflexões. Vamos entender-nos os três.
Há esperança afinal. Está suspensa em mim, dentro de mim, num primeiro momento. Passarei rapidamente ao instante seguinte.
Que é o do encontro, sabes? Irei ao encontro de Godot: é a minha vontade, o meu desejo, o meu gosto, a minha esperança-imensamente-esbatida-quase-esvaziada.
Ele dirá coisas inteligentes e inteiramente absurdas que eu vou compreender. Pois temo que haja um sentido para esta infinda espera.
Sim, temo que haja um sentido para a existência. Só que não o descobri.
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