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Descrevo a cidade

por Zilda Cardoso, em 30.06.18

 

0001.JPG

 

Vivo nesta cidade de mar e céu azul e não aprecio as rochas de que devia orgulhar-me por serem um magnífico conjunto de rochas de grande valor científico, aqui no perímetro da cidade. São gnaisses, metassedimentos e anfibolitos recortados por granitos variscos, segundo leio. Tudo um fascínio quando bem observado.

Porém, vejo sempre o lado estético em primeiro lugar e estas rochas negras metamórficas tão visíveis, de longe… não são do meu agrado(!) De longe não são. De perto seduzem, adoro-as assim invulgarmente feias, a parecerem velhas e a resistir a tudo… por milhões de anos.

Por vezes, vou para o campo, onde é tudo verde. São verdes, melhor dizendo, muitos verdes cheirosos, luminosos e musicais. Os pássaros cantam enquanto comem as cerejas que eu julgava minhas e não lhas ofereci a eles, mas gosto de estar naquele sítio sem poluição, olhando de olhos limpos a serena paisagem de toda a gente. E construindo poemas mais ou menos românticos, de louvor.

Do lado do mar, a água é próxima mas é mais distante, dificilmente lhe chego, ela quer-me, puxa-me, eu não a desejo. Não me deixo levar, fujo, nunca foi minha.

No entanto, é saborosa e fresca, luminosa e iluminada. Que belas cores rosadas, douradas, lilases ao fim do dia!

Passa um barco tranquilamente, não importa para onde. O farol permanece naquela ponta escura como sentinela, não arreda por nada.

O Sol vai ficando dourado com o decorrer do dia e mergulha a certa hora (não tão certa, há diferenças diárias), depois de espalhar a sua beleza – entornar -  única todos os dias. Hoje é quente, vermelho dourado sob tiras de nuvens azuis que são belas formas a adivinhar, perto do muro negro do farol.

Logo arreda as nuvens e surge em todo o seu esplendor, impondo-se enquanto se afasta. Não quer ser esquecido, quer impressionar, tanta beleza tem que se dirigir a alguém, ter um destino… É beleza em movimento, em transformação, não nostalgia.

Ninguém se pode zangar com esta cidade enquanto tiver o sol do seu lado!

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publicado às 09:31

Código Expressivo

por Zilda Cardoso, em 25.06.18

 

Por alguma razão, dou maior importância à atitude, ao gesto, à expressão do rosto, ao tom da voz de quem fala do que às palavras que profere.

Cujos significados... sei poderem ser diversos e mesmo antagónicos, dependendo de muitas circunstâncias.

E por isso, as palavras dos discursos e os discursos de palavras não são conclusivos, porque nunca são suficiente e claramente expressivos. Pergunto-me: poderão ser mais expressivos os que não incluem palavras mas apenas posturas?! Sei que esses discursos de palavras confundem e dão lugar a conflitos de todos os tamanhos.

Quero dizer, não definem exactamente a verdade. Ou o que estará mais próximo da verdade (e com essa vizinhança me contento, já que também não sei o que é a VERDADE).

Penso que as posturas que invariavelmente rodeiam as falas ajudam na definição do que o outro quer dizer ou são mesmo fundamentais na compreensão da sua mensagem.  As posturas, por si só, poderão talvez sem palavras transmitir mensagens mais perfeitas do que as outras(!), as mensagens de palavras.

Quanto às mensagens escritas, aos discursos que tenho de ler, não sou apoiada pela observação do contexto de que falei. Desconheço o que rodeou as palavras escritas, isso não me é dito e devo imaginar, o que complica sobremaneira a compreensão certa.

Quando a coisa é importante, prefiro uma conversa frente a frente, cara a cara, como se diz, se bem que calcule que nunca saberei ao certo o que o outro pensa, se o que diz é na verdade o que pensa, se é o mesmo. Poderei saber o que o outro quer dizer, se sabe dizer e se está a dizer o que quer, mas nunca se diz o que pensa com toda a certeza.  

Por isso, há sempre tantas interpretações possíveis para o mesmo discurso de comunicação. Saber qual é o objectivo de quem fala ou escreve facilita a interpretação… não resolve de todo o problema.

As palavras não servem o fim para que são usadas; a nossa linguagem, julgada essencial e definidora dos seres humanos, é frágil, contraditória, trapaceira.

O que nos resta? Como nos definiremos?

Podemos compreender os discursos políticos com que nos bombardeiam diariamente? Os discursos dos que governam o mundo?

E os dos outros? Dos que não governam o mundo?

 

 

 

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publicado às 18:12

imaginação das coisas

por Zilda Cardoso, em 13.06.18

 

 

 

cultivez.jpgcultivez.jpg

Raramente me recordo dos sonhos que tive durante a noite, os que sonho a dormir. Cada vez, é mais raro relembrar.

E quando me recordo, é de uma confusão, de uma desordem, montes de gente que não identifico, estranhos movimentos, uma caterva de lugares que desconheço…

Acordo com dor que aumenta com o esforço de tentar dar alguma clareza às imagens: o que nunca consigo.

Foi o que sucedeu esta noite. Bem, não exactamente, já que fui compondo uma lógica.

Como num filme de Emir Kusturica, tudo a princípio é confuso e ilógico. Ou como nalguns filmes muito antigos de C. Chaplin. Adoro-os. Acho os autores geniais e extremamente divertidos, mas não palhaços. Sim, pensadores. Ou palhaços que pensam.

O meu caso desta noite, teria acontecido num espaço, não subterrâneo, mas sem luz suficiente para descortinar o que fosse. Não haveria sol nem luar nem qualquer estrela a iluminar as cenas a que eu não apenas assistia, mas em que participava.

Recordo algumas pessoas talvez nessa barafunda, algumas daquelas por quem esperava e não apareceram recentemente ou não falaram, passaram de lado ao lado de mim e eu fiquei a perguntar-me por quê.

Há só um momento que revivo perfeitamente: aquele em que, decerto para ver melhor, puxei o fio de um estore supostamente de modo a entrar a luz de fora (embora nunca antes me tenha apercebido de que havia fora e de que havia dentro).

Imaginem o que aconteceu.

O estore era composto de amores-perfeitos amarelos e roxos. Mormente, amarelos, cor predominante, sem dúvida, macios, quentes, limpos, perfumados, muito frágeis. Havia do lado direito, uma porção deles inteiramente roxos menos luminosos do que os outros. Vejo-os com toda a clareza, estes tinham também o centro amarelo.

Estavam voltados para mim, de cabeça para baixo, pendurados pelo pé, sobrepostos sem falhas, de modo a agirem como peça única unida capaz de ser puxada e levantada como tal. Tinham relevo, claro, não era nada estampado num pano. E eram dezenas ou centenas de plantas muito quebradiças.

Eu baixei e levantei o estore várias vezes, puxando um fio: eles continuaram perfeitos. Perfeitos-amores.

Estava tão feliz! Nunca deparara com alguma coisa tão belo e útil, à sua maneira. Olhava a extraordinária peça e sorria, tenho a certeza que sorria.

Não preciso ver mais, posso ter pensado. Para quê ver com perfeita clareza o que está no interior, levantando a cortina? E, do mesmo passo, o que está fora? Ou importa mesmo fazer uma pequena experiência da realidade exterior? Não creio.

Muita imaginação teria podido criar semelhante subtil prodígio, este dos amores assim confeccionados, que iluminam o interior de modo a não precisar de ver o exterior...

Ou haveria alguém conhecedor de uma fórmula mágica, irradiante, que permitisse não se interessar pelo que está para além da cortina ou do estore ou dos amores… ou que o tornasse insignificante. Alguém desenvolto, solto que ficasse feliz só por saber que existem coisas do outro lado e não tivesse o desejo de saber algo acerca delas.

 

 

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publicado às 21:02

imaginação das coisas

por Zilda Cardoso, em 12.06.18

 

 

 

Raramente me recordo dos sonhos que tive durante a noite, os que sonho a dormir. Cada vez, é mais raro relembrar.

E quando me recordo, é de uma confusão, de uma desordem, montes de gente que não identifico, estranhos movimentos, uma caterva de lugares que desconheço…

Acordo com dor que aumenta com o esforço de tentar dar alguma clareza às imagens: o que nunca consigo.

Foi o que sucedeu esta noite. Bem, não exactamente, já que fui compondo uma lógica.

Como num filme de Emir Kusturica, tudo a princípio é confuso e ilógico. Ou como nalguns filmes muito antigos de C. Chaplin. Adoro-os. Acho os autores geniais e extremamente divertidos, mas não palhaços. Sim, pensadores. Ou palhaços que pensam.

O meu caso desta noite, teria acontecido num espaço não subterrâneo, mas sem luz suficiente para descortinar o que fosse. Não haveria sol nem luar nem qualquer estrela a iluminar as cenas a que eu não apenas assistia, mas em que participava.

Recordo algumas pessoas talvez nessa barafunda, algumas daquelas por quem esperava e não apareceram recentemente ou não falaram, passaram de lado ao lado de mim e eu fiquei a perguntar-me por quê.

Há só um momento que revivo perfeitamente: aquele em que, decerto para ver melhor, puxei o fio de um estore supostamente de modo a entrar a luz de fora (embora nunca antes me tenha apercebido de que havia fora e de que havia dentro).

Imaginem o que aconteceu.

O estore era composto de amores-perfeitos amarelos e roxos. Mormente, amarelos, cor predominante, sem dúvida, macios, quentes, limpos, perfumados, muito frágeis. Havia do lado direito, uma porção deles inteiramente roxos menos luminosos do que os outros. Vejo-os com toda a clareza, estes tinham também o centro amarelo.

Estavam voltados para mim, de cabeça para baixo, pendurados pelo pé, sobrepostos sem falhas, de modo a agirem como peça única unida capaz de ser puxada e levantada como tal. Tinham relevo, claro, não era nada estampado num pano. E eram dezenas ou centenas de plantas muito quebradiças.

Eu baixei e levantei o estore várias vezes, puxando um fio: eles continuaram perfeitos. Perfeitos-amores.

Estava tão feliz! Nunca deparara com alguma coisa tão belo e útil, à sua maneira. Olhava a extraordinária peça e sorria, tenho a certeza que sorria.

Não preciso ver mais, posso ter pensado. Para quê ver com perfeita clareza o que está no interior, levantando a cortina? E, do mesmo passo, o que está fora? Ou importa mesmo fazer uma pequena experiência da realidade exterior? Não creio.

Muita imaginação teria podido criar semelhante subtil prodígio, este dos amores assim confeccionados, que iluminam o interior de modo a não precisar de ver o exterior...

Ou haveria alguém conhecedor de uma fórmula mágica, irradiante, que permitisse não se interessar pelo que está para além da cortina ou do estore ou dos amores… ou que o tornasse insignificante. Alguém desenvolto, solto que ficasse feliz só por saber que existem coisas do outro lado e não tivesse o desejo de saber algo acerca delas.

 

 

 

 

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publicado às 16:22

A transparência do ribeiro

por Zilda Cardoso, em 10.06.18

 

Moledo.jpg

 

 

A madrugada saiu desta manhã há muito

deixando uma claridade indecisa

para todo o meu resto de dia.

 

Manhã sem sol não é manhã

– digo, não é matinal.

Os pássaros não cantam, nem os ribeiros

não há um sol triunfal!

 

Essa névoa pousada nas copas 

quinta maio 005.JPG

 

cinzenta húmida como véu translúcido

embacia os fios de luz que vão

por entre os ramos até ao chão.

 

Um silêncio misterioso e sedutor

cheio de sombras e de ecos, de fremência

cobre agora o ribeiro e a sua

já não sustentável transparência.

 

 

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publicado às 09:56




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